São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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A arte de parecer ocupado quando não há o que fazer

Por JAN HOFFMAN

Aos olhos dos transeuntes, parecia haver uma frenética atividade na boutique da Mott Street, em Manhattan. Numa recente tarde no meio da semana, a supervisora Carolyn Bailey arrumava a vitrine, carregava pilhas de suéteres imaculadamente dobrados, intercalava os cabides com um dedo de distância e debatia avidamente ao telefone com uma grã-fina sobre como combinar as roupas.
Embora parecesse atarefada, ela estava propositalmente criando uma ilusão de ocupação. A loja estava vazia. "Você não quer que alguém da empresa entre e lhe veja sem fazer nada", disse Bailey. "É preciso se manter ocupada para eles e para os clientes."
Numa economia aquecida, a enrolação no expediente é motivo de piada. Mas agora, quando os negócios estão lentíssimos nos EUA, e a possibilidade de demissões é excessivamente real, parecer ocupado não é brincadeira. No varejo e nas imobiliárias, nos restaurantes e nas firmas de advocacia, muitos funcionários estão se empenhando em serem vistos como necessários -mesmo que não tenham muito a fazer.
Embora em muitos casos os cortes de pessoal realmente tenham deixado os empregados sufocados de tanto trabalho, em outros lugares, onde o tempo ocioso é flagrante, os funcionários estão ficando criativos na arte de disfarçar a própria inutilidade.
Um gerente de carteira de uma firma de investimentos em Nova Jersey, de 30 anos, espalha papéis sobre a mesa. Quando sai para almoçar, combina para que colegas de outros escritórios liguem para ele -e propositalmente esquece o celular, com a campainha no máximo. Como muitos trabalhadores ouvidos para esta reportagem, ele pediu anonimato, para preservar seu emprego.
Numa multinacional em Nova York, um advogado quis dar a impressão de que ficava até tarde no trabalho -mas era traído pelo sistema que rebaixava automaticamente as luzes quando ele saía da sala. Então ele trouxe um ventilador oscilante, cujo movimento engana os sensores e mantém as luzes acesas.
O computador também ajuda quem precisa parecer ocupado -desde que o trabalhador domine a técnica de encarar o monitor com cenho carregado e olhar estudioso (mesmo que, enquanto isso, esteja navegando no site de leilões eBay). E-mails de trabalho podem ser programados para serem enviados durante a madrugada, de modo que o remetente pareça dedicado em tempo integral.
Nestes tempos pouco agitados, atividades antes consideradas inúteis podem restaurar sua reputação. Afinal, são tarefas capazes de entreter e ainda despertar ideias para a criatividade real.
Jonathan Spira, analista-chefe da Basex, firma de pesquisas empresariais, disse que, ao notarem que os empregados estão ociosos demais, os patrões podem recorrer a programas de treinamento cruzado. Mas o melhor, acrescentou ele, é se antecipar à iniciativa do chefe. Em vez de tentar matar o tempo, o ideal seria atualizar o currículo ou pensar em formas inovadoras de ser útil no trabalho.
É claro que as empresas tendem a notar quando as atividades de seus funcionários não contribuem com o resultado final.
Nos escritórios de advocacia americanos, onde há demissões quase diárias, as tarefas inúteis raramente se traduzem em algo que se possa cobrar do cliente por hora. Em Nova York, um advogado de uma grande firma contou que no ano passado, quando a economia parou, ele passava os dias acompanhando o noticiário de Washington e ligando para os clientes para dar conselhos não cobráveis.
"Foi uma forma de mostrar ao cliente que, embora as coisas estivessem devagar, ainda estava cuidando dos seus interesses", disse esse advogado, especializado em finanças corporativas. "Eu me ocupei sem ganhar dinheiro, mas como eu fiquei tentando fazer coisas para a firma que eram mensuráveis de outro jeito, achei que isso bastaria", disse ele.
Há algumas semanas, o advogado foi demitido.


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