São Paulo, segunda-feira, 10 de maio de 2010

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A vida fica mais complicada e provoca mais dores de cabeça

Dá a sensação de que a marcha para a complexidade virou correria no debate sobre a reforma da saúde e até mesmo no colossal vazamento de petróleo no golfo do México -desafios tão barrocos, e com tantas peças disparatadas e móveis, que o melhor é torcer para que alguém os entenda. A complexidade costumava significar progresso -era o "frisson" de um novo aparelho ou de algum avanço tecnológico. Agora, a complexidade espreita por detrás das questões mais caras e intratáveis da nossa era. É o bicho que ganhou dentes e começou a comer a mobília.
"Estamos condenados?", foi o título de um longo artigo sobre a complexidade na revista britânica "New Scientist", em 2009. (Conclusão: talvez.) Existe um discurso muito apocalíptico quando se fala nesse tema. Há uma pincelada disso no trabalho de Joseph Tainter, antropólogo da Universidade de Utah e autor de "The Collapse of Complex Societies" (O colapso das sociedades complexas). Nesse livro, ele examina três civilizações antigas, inclusive o Império Romano, para explicar como a complexidade as arruinou.
"A complexidade toma conta de você", afirmou Tainter numa entrevista. "Ela cresce de várias formas, as quais sempre parecem razoáveis na época. Parecia razoável na época que fôssemos para o Afeganistão. São os custos cumulativos que tornam uma sociedade insolvente. Tudo que os imperadores romanos faziam era uma resposta razoável à situação em que se encontravam. Foi o impacto cumulativo que os esgotou."
Tainter não está vendendo o charme nostálgico da simplicidade, já que não haveria muita gente para comprá-lo. Exceto quando se trata do controle remoto da TV, a maioria das pessoas tem um apreço pela complexidade, ou pelo menos por ideias e objetos difíceis de entender. Em parte isso ocorre porque supomos que produtos complicados vêm de mentes afiadas e impressionantes, e em parte porque entendemos que complexidade é uma palavra mais elaborada para progresso.
Praticamente todas as profissões se tornaram mais complicadas nas últimas décadas. O imenso volume de dados e regras para os contabilistas, por exemplo, explodiu, diz Gary Giroux, professor de ciências contábeis da Universidade Texas A&M. A bíblia do setor é portentosamente chamada de "Pronunciamentos Originais", que no seu auge, há alguns anos, chegou a quase 10 mil páginas.
Um século atrás, diz Giroux, não havia cursos de contabilidade, muito menos "Pronunciamentos Originais", porque os contadores eram apenas pessoas que conferiam as contas das corporações para garantir que não houvesse fraudes internas. O que aconteceu? "Não havia Imposto de Renda até 1913, e antes do 'New Deal' [anos 1930] não existia a Comissão de Títulos e Câmbio", explica ele. Isso nos leva à parte preocupante da complexidade que enfrentamos hoje. Em vez de melhorar nossas vidas, ela nos atormenta.
Precisamos, sugere Brenda Zimmerman, professora da Escola Schulich de Negócios, de Ontário (Canadá), fazer uma distinção entre complicado e complexo. Complicado, diz ela, é mandar um foguete para a Lua -isso exige projetos, contas, muitos equipamentos cuidadosamente calibrados e softwares escritos por quem entende disso. Já criar um filho é complexo. Trata-se de um enorme desafio, para o qual contas e projetos não servem de nada. "Somos seduzidos pelo complicado na sociedade ocidental", diz Zimmerman. "Ficamos admirados com ele e recuamos da tarefa de fazer perguntas simples, que fazemos sempre que lidamos com assuntos que são complexos."
Mas a complexidade tem uma forma de derrotar as boas intenções. Não faz sentido torcer por uma nova era de simplicidade. O melhor é esperar soluções que sejam complicadas só até um grau em que nos permitam trabalhar com elas.


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