São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Conflito na Turquia destroça famílias

Por LIAM STACK

SIRNAK, Turquia - Emine, filha de Mevlude Gungen, fugiu há dois anos para se juntar aos militantes curdos, quando tinha 14 anos. Desde o ano passado, seu irmão Ramazan, hoje com 20 anos, serve no Exército turco.
Isso deixou a família, como muitas outras nessa área curda do país, dividida ao meio - entre a guerrilha que luta pelos direitos da minoria e a autonomia local, e o governo central que afirmar querer a paz, mas teme fragmentar o país.
"Meus outros filhos não entendem onde Emie e Ramazan estão", disse Gungen, 35, que tem seis filhos pequenos. "Às vezes eu ouço eles falando, 'O que vai acontecer se eles derem de cara um com o outro? Será que Emine vai matar Ramazan ou Ramazan vai matar Emine?'?"
Pelo menos, ela tem notícias do filho, que escreve e telefona. Mas nunca mais soube da filha desde o dia em que Emine fugiu para um campo de treinamento dos rebeldes com sua prima e melhor amiga, Heybet Gungen. O irmão de Heybet, Salih, também está servindo nas forças armadas turcas.
Os conflitos entre o governo e os guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, aumentaram desde junho, chegando ao auge recentemente, quando um ataque dos rebeldes levou o governo a enviar milhares de soldados em seu encalço. No final de setembro, Gungen viu com pavor uma reportagem no canal de TV do PKK, sediado na Dinamarca, informando que Heybet, a amiga de sua filha, fora morta durante um tiroteio com soldados turcos na fronteira com o Iraque. Ela tinha 15 anos.
"Foi como se eu também tivesse perdido minha filha naquele dia", lamentou Gungen. "Elas estavam sempre juntas."
A Turquia e seus cidadãos curdos têm uma história longa e amarga. Desde que um levante armado teve início em 1984, quando o PKK efetivamente declarou guerra ao Estado, mais de 40 mil pessoas foram mortas em uma série de ataques dos militantes e represálias do governo. A Turquia, os EUA e a União Europeia consideram o PKK um grupo terrorista.
A luta pelos direitos dos curdos têm sido emocionalmente confusa. Muitos no sudeste curdo são partidários do PKK; outros têm simpatia pelo grupo, mas estão cansados da guerra e ansiosos pela paz.
Famílias estão igualmente dilaceradas, especialmente desde que o serviço militar se tornou obrigatório para rapazes turcos, incluindo os curdos. Os jovens que concordam com a causa dos rebeldes fogem para se juntar a eles. Os outros pegam em armas pela Turquia contra pessoas que eles conhecem ou amam.
Alguns nacionalistas curdos afirmam que o governo decidiu nos últimos anos mandar mais recrutas curdos para sua região de origem, onde há mais chance de combaterem o PKK, em uma tentativa de provar que os rebeldes são assassinos frios e de ganhar o apoio dos curdos.
"O estado coloca nossos filhos cara a cara e faz irmãos se matarem", disse Taubet Gungen, 45.
Desde o dia em que sua filha, Heybet, morreu, ela proibiu seus sete filhos de falarem sobre isso, pois teme não suportar a dor.
Taubet Gungen e sua parente distante, a mãe de Emine, dizem que não tinham a menor ideia de que suas filhas pretendiam fugir. Elas ainda parecem chocadas. Emine, a mais politizada das duas meninas, conhecia bem a história da família; quatro tios ficaram presos por algum tempo pelo que sua mãe descreve como "a defesa de seus direitos".
Como muitas crianças desta cidade montanhosa, Emine participava desde pequena de protestos contra o governo e, quando tinha apenas oito anos de idade, até fez greve de fome de um dia inteiro para apoiar os direitos dos prisioneiros.
"Como qualquer mãe, eu dizia a ela, 'Por favor, coma, senão você vai ficar doente'", conta Mevlude Gungen. "Mas ela dizia 'Não, vou fazer o que os outros estão fazendo'".
Aqui em Sirnak, moradores dizem que nos últimos meses aumentou o número de jovens que vão para as montanhas nos arredores da cidade para se juntar aos militantes, à medida que os confrontos entre os guerrilheiros e o Exército vêm gradualmente se intensificando.
"Os filhos de todo mundo estão indo para as montanhas, não só os nossos", comentou Taubet Gungen. "Há milhares de mães cujos filhos estão nas montanhas. Estamos acostumadas com isso, assim como com o fato de que nossos filhos sirvam o Exército turco."
Se seus outros filhos resolverem ingressar no PKK, não há como impedi-los; eles vão fugir como Emine e Heybet, diz a maioria do pessoal local.
"Eu quero paz para os dois lados", afirmou a mãe de Emine. "Os homens do Exército são nossos filhos, assim como aqueles nas montanhas. Minha filha está com o PKK, mas também sou mãe de um soldado."

Contribuiu Sebnem Arsu, com reportagem, de Istambul


Texto Anterior: O retorno da corrida do ouro na Líbia
Próximo Texto: Haitianos treinam para integrar novo Exército
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.