São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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Um olhar além dos trópicos

Por ROBB YOUNG

Quando falamos de estereótipos, alguns são definitivamente mais difíceis de reverter do que outros.
Desde os anos 60, o mundo teve uma imagem bastante distorcida, mas duradoura, a respeito da moda brasileira: roupa de praia voltada para a exibição do corpo, sandálias Havaianas e túnicas transparentes e brilhantes com estampas tropicais.
Hoje, a variedade de peças sensuais e as efervescentes opções de figurinos de verão continuam a vender espetacularmente bem, tanto no mercado interno como no exterior. Mas esse sucesso perene muitas vezes parece ofuscar o resto da dinâmica da indústria de moda de luxo brasileira, incluindo as roupas ready-to-wear, os calçados, os acessórios e as joias.
Além disso, o estereótipo perpetuou o mito de que o estilo brasileiro pode ser reduzido ao vulgar, ao previsível e ao paternalista clichê: "A vida é uma praia", onde os designers brasileiros estão interessados somente em vestir as mulheres seminuas cujos pés raramente deixam a areia.
"Essa imagem intensamente repetida acompanha preconceitos, e esses preconceitos englobam todos os níveis - e são também claramente alienadores", diz Graça Cabral, chefe de relações institucionais e de parcerias estratégicas da Luminosidade, empresa que organiza no país os dois principais eventos de moda, o São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio. "Nós não somos felizes o tempo todo, não estamos dançando o tempo todo, não somos ensolarados o tempo todo. Não estamos na praia, bebendo caipirinhas e mostrando nossos maravilhosos e esculturais corpos bronzeados."
Ainda assim, o São Paulo Fashion Week fez progressos notáveis, tornando São Paulo a quinta mais importante capital mundial da moda em apenas 15 anos, atrás de Paris, Milão, Nova York e Londres. E, embora tenha mantido um excepcional clube de designers com uma gama de estilo, estética e abordagens, a mensagem de diversificação do design tem sido lenta para atingir as opiniões que mais importam: os consumidores internacionais e os formadores de opinião dotados de menos informação, alguns deles com grande poder e enorme influência na indústria da moda.
Erika Palomino, consultora e renomada editora de moda, diz que no início dos anos 2000, quando a mídia e os compradores internacionais vieram ao Brasil para assistir aos desfiles, eles procuram o colorido, as estampas de praia e as roupas reveladoras.
"Quando viram pela primeira vez as coleções de estilistas como Reinaldo Lourenço e Alexandre Herchcovitch, ficaram em choque e até decepcionados. Criticaram a abordagem e questionaram: 'Onde está a identidade brasileira?'"
"O que deveria ser? Trabalhar com Carmen Miranda em mente?", pergunta sarcasticamente.
"Por um tempo, os designers brasileiros que não adotavam estampas, cores, a chamada roupa sensual, os bordados com elementos étnicos e com técnicas artesanais, não vendiam e não eram populares no exterior", diz. "Algumas vezes esses profissionais foram obrigados a fazer concessões e a considerar os óbvios temas brasileiros como o Carnaval e a Amazônia para que fossem notados e conseguissem vender - especialmente para os EUA. Agora, a situação está um pouco melhor."
A estilista brasileira Pitty Taliani sugere que ainda é preciso reeducar as pessoas. Junto com Carolina Gold, fundou a Amapô - marca com diversidade em cores vivas e em estampas, mas que é claramente inspirada mais pelas subculturas subversivas e pelo movimento desconstrutivista do que pelo estilo praia.
"Ainda é difícil convencer estrangeiros de que desenvolvemos coleções completas e não somos apenas sambistas de biquíni", diz. "A Amapô é uma marca com alma brasileira. É, de certa forma, inspirada em nossa cultura, o que definitivamente desperta os sentidos, mas misturamos sempre com outras referências."
Minimalismo e sutileza também têm encontrado espaço na moda brasileira, junto com opções de vanguarda e até estilo gótico.
Uma representante do grupo de estilistas que tem desafiado os estereótipos mais do que a maioria é Gloria Coelho. "Eu me esforço um pouco para ser aquela 'brasileira sexy'", diz. "Mas prefiro a sensualidade de alguém como a cantora islandesa Björk - algumas vezes austera e outras vezes divertida." Acrescenta: "Também gosto de resgatar tribos, como punks, mods, Teddy boys, roqueiros e misturar o passado com o presente, mixar arquitetura com Pokemon ou o conceito de obras de Mondrian."
Apesar disso, vários destaques da indústria nacional da moda acreditam que os pontos positivos ainda são maiores. "Vamos dizer que a praia é a nossa porta de entrada para o mundo", diz a veterana consultora de moda Gloria Kalil. "Assim, em vez de se ressentir sobre a estreiteza da imagem que, é claro, representa apenas um dos muitos aspectos desse universo dentro de um país, nós devemos aproveitar a simpatia que temos graças a essas características para estabelecer uma relação comercial com o resto do mundo baseada nela. Depois, mostramos a eles o resto de nossas características culturais e industriais."
Paulo Borges, presidente da Luminosidade, diz que, apesar da desgastada percepção do Brasil ligada às praias servir a um propósito, o que alimenta a linguagem do design do país é a sua diversidade étnica, cultural e ambiental.
"A moda brasileira reflete todos esses humores. Significa que podemos facilmente ir do preto básico a uma multicolorida e brilhante aparência em poucas horas", diz.
Para Rafael Cervone, presidente-executivo do Texbrasil, o Programa Brasileiro de Exportação da Indústria de Moda, é inconcebível que as pessoas pensem que a indústria têxtil com séculos de existência "se resuma ao contexto de praia." Segundo ele, o Brasil tem a quinta maior indústria mundial de têxtil e a quarta maior indústria do vestuário, com mais de 30 mil empresas. Opera em todo o processo de produção, trabalhando com fiação, tecelagem, acabamento, tricô e outros elos da cadeia. "Existem poucos países que ainda tem conhecimento em cada processo da cadeia têxtil", diz.
As próprias variações no clima do Brasil indicam a necessidade de roupas para temperaturas nao apenas elevadas.
Atenção também deve ser dada aos gostos particulares de "tribos pós-modernas" que vivem em cidades em expansão. Seus estilos de vida são muito distintos dos moradores de regiões do sertão nordestino, por exemplo, e de quem mora no exuberante interior do país, entre fazendas de gado e florestas. Isso, sem mencionar que brasileiros que viajam a negócio ou em férias para a Europa e outros destinos mais frios precisam de roupas adequadas.
Alberto Hiar, diretor criativo da irreverente marca Cavalera, diz que há motivações práticas, como ter uma visão cosmopolita e ambição de negócios em âmbito global.
"Obviamente, os designers brasileiros também estão procurando outros países para aumentar suas exportações. Assim como vários estilistas adaptaram suas coleções para o Oriente Médio, os brasileiros incluem peças mais atraentes em seus trabalhos", diz. "Como nossa marca tem conceitos de uma moda urbana, nossas roupas podem ser usadas em qualquer grande cidade do mundo."
"O que incomoda a maior parte dos brasileiros não é reduzir a imagem de nossa moda para roupas de praia, mas a noção de que somos apenas o país do futebol e do Carnaval. Isso é o que a maioria dos estrangeiros ainda procura quando vêm para cá, esquecendo completamente dos outros assuntos que temos para oferecer, como a moda progressiva."


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