São Paulo, segunda-feira, 11 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENSAIO

Web "mata" correspondente estrangeiro

Distraído pela internet, repórter pode deixar de testemunhar

ANAND GIRIDHARDAS

VERLA, Índia - É uma mudança importante no mundo: os correspondentes estrangeiros não cobrem mais um lugar para benefício exclusivo de seus leitores alhures. Na era da internet, cobrimos cada lugar em benefício de todos os lugares, e os "reportados" estão entre os mais ávidos consumidores daquilo que reportamos.
Segundo dados do serviço Google Trends, as frases "new york times india" e "washington post india" são pesquisadas oito vezes mais na Índia do que nos EUA, proporcionalmente ao total de buscas em cada país. Analogamente, "new york times china" é uma frase mais intensamente pesquisada em Pequim do que em Nova York.
A dinâmica se aplica a países de Brasil a Rússia. E o livro "O Mundo É Plano", em que Thomas Friedman cita a transformação de Bangalore para explicar o mundo do século 21, é procurado com mais regularidade na Índia do que nos EUA. A internet permite, em quase todos os lugares, ver como o mundo exterior nos vê, em tempo real.
Liguei para Roger Cohen, veterano correspondente, hoje colunista do "New York Times", para saber a respeito de um mundo em extinção.
Cohen começou na agência Reuters em 1979, época em que os correspondentes vagavam durante dias; os editores não sabiam onde eles estavam, e não havia como localizá-los.
Seu trabalho lentamente se filtrava nas discussões de Washington ou Paris, e ajudava a informar o debate; na época, naturalmente, isso poderia voltar aos países cobertos. Alguns jornais, inclusive o "New York Times", vendiam pequenas tiragens de edições internacionais em dezenas de cidades estrangeiras. Emigrantes recortavam artigos para parentes no antigo país. Governos monitoravam a cobertura da imprensa estrangeira.
Mas as vastas populações sobre as quais os correspondentes estrangeiros escreviam em geral permaneciam alheias ao que estava sendo dito delas. E, mesmo que soubessem, não era fácil responder, exceto por cartas às sedes dos jornais, as quais, pelo que contam os correspondentes, quase nunca chegavam às sucursais.
Comecei 26 anos depois de Cohen, e a minha geração de correspondentes nunca sentirá falta de retorno. A edição on-line do jornal está disponível em quase todos os lugares. Pessoas em países distantes nos leem como qualquer outro jornal. Outros chegam até os nossos sites por meio de mecanismos de busca.
Então os "reportados" sabem o que estamos dizendo. Comentam nosso trabalho em seu blog ou no Facebook; acham nosso e-mail com alguns toques no teclado; apontam erros pelo site. Pela minha experiência como correspondente na Índia, a maior parte dessa atividade vem de dentro do país. A cobertura está disponível universalmente, mas é acompanhada com mais paixão pelos que estão sendo cobertos.
Os leitores "daqui" são melhores vigilantes do que os leitores "de lá". Eles notam erros que um editor ocidental não notaria. E também freiam o impulso de fazermos relatos "exóticos". Certas lentes para ver um país vendem bem no exterior: a pobreza da Índia; a repressão na China. Mas um batalhão de blogueiros está ansioso por apontar o que for óbvio e banal, e nos mantêm em alerta.
Peter Foster, correspondente em Pequim do "Telegraph", de Londres, escreveu num e-mail que o seu blog "abriu uma inestimável discussão/diálogo com os leitores", mas que ele também nota altos níveis de nacionalismo e "sarcasmo" nessas respostas.
Luke Harding, chefe da sucursal de Moscou do jornal britânico "The Guardian", sugeriu que o sarcasmo provocado pela sua cobertura da guerra do ano passado na Geórgia parecia organizado. "Suspeito -mas não posso provar- que haja atualmente um novo quadro de blogueiros profissionais trabalhando anonimamente para o Kremlin, e presumivelmente para outros governos", escreveu ele num e-mail.
Além do mais, há uma tradição de as fontes dizerem a correspondentes estrangeiros aquilo que não diriam a um jornalista ou funcionário local. Frequentemente é assim que um registro histórico sobre guerras e genocídios é montado: por pessoas sussurrando no ouvido de alguém que irá logo embora. Os sussurros podem minguar na era da web.
Na década de 1990, Cohen narrou, pessoalmente, os horrores que acompanhavam a dissolução da Iugoslávia. Hoje, correspondentes que fazem tal trabalho podem ver seu tempo interrompido pela profusão de opiniões e imagens on-line, e do uso do Twitter no local, que se multiplica e exige atenção. Mas ficar a par do bochicho da internet não é a mesma coisa que ouvir um testemunho. "Em vez de olhar para uma aldeia ou morro bósnio, ou de estar numa sala com um grupo de sobreviventes de campo de concentração, você teria estado simplesmente olhando para uma tela", disse Cohen. "Não lamento nem um pouco que isso não existisse na época", acrescentou.


Texto Anterior: Demissões causam crise de identidade em cidade japonesa que abriga a Toyota

Próximo Texto: Celulares para navegar pela vida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.