São Paulo, segunda-feira, 11 de maio de 2009

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Soldados mirins trocam armas por pincéis

Por RANDY KENNEDY

Desde que começou a tradição, em 1954, o título de embaixador da boa-vontade das agências da ONU geralmente foi acrescentado a nomes que poderiam ter sido tirados dos créditos de um festival de cinema: Danny Kaye, Audrey Hepburn, Mia Farrow, Susan Sarandon e, ultimamente, Angelina Jolie e George Clooney.
Mas, em 28 de abril, foi anunciado o próximo embaixador: o pintor Ross Bleckner, primeiro artista plástico nomeado para o cargo honorífico. Ele é um homem muito conhecido em certos círculos, mas não frequentemente seguido por paparazzi.
No início deste ano, Bleckner, cuja obra principalmente abstrata ganhou destaque na década de 1980 e que há muito tempo participa de causas relacionadas à Aids, esteve em missão oficial no distrito de Gulu, norte de Uganda. Gulu foi aterrorizado durante muitos anos pela força rebelde conhecida como Exército de Resistência do Senhor, que sequestrou e recrutou milhares de crianças, obrigando meninos e meninas a tornar-se assassinos ou escravos sexuais.
Bleckner disse que as autoridades da ONU lhe perguntaram se ele achava que a arte poderia ter um papel útil para chamar a atenção para o flagelo do tráfico humano, que segundo elas ainda recebe muito pouca atenção.
"Eu lhes respondi que se a arte não puder desempenhar um papel como esse, então não há papel", ele disse no dia do anúncio.
Usando milhares de dólares em tintas, pincéis e papel enviados de Nova York, Bleckner, 59, trabalhou com um grupo de 25 crianças -ex-sequestrados e soldados- durante mais de uma semana em um centro de ajuda. Fizeram 200 pinturas que serão vendidas amanhã em um evento na sede da ONU, em Nova York, durante o qual Bleckner será nomeado embaixador da boa-vontade.
"Uma das coisas que percebemos sobre um artista plástico, um pintor, neste papel é que o trabalho que surge dele realmente não precisa de tradução, nem de legendas como um documentário ou uma música -é imediatamente acessível a qualquer pessoa que o veja", disse Simone Monasebian, chefe em Nova York da Agência da ONU contra as Drogas e o Crime. Seu departamento estima que o tráfico humano gere US$ 32 bilhões por ano em lucros, perdendo apenas para as drogas e as armas.
Os ex-sequestrados, muitos deles órfãos com idades entre 11 e 19 anos, haviam sofrido traumas horríveis; alguns foram obrigados a matar ou ferir outras crianças e adultos antes de conseguir escapar ou ser libertados pelo movimento rebelde.
Bleckner disse que, depois de vários dias ensinando-lhes pintura rudimentar e técnicas de desenho, muitos começaram a confiar nele e a criar trabalhos que expressam poderosamente suas experiências.
Um retrato assustador feito como parte do projeto é considerado o de um capanga de Joseph Kony, infame comandante do Exército da Resistência do Senhor. Kony é procurado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, cuja Fundação para Vítimas ajudou a identificar as crianças que participaram do projeto de pintura.
Bleckner disse que pretende voltar à região no início do próximo ano para ampliar o projeto e espera atrair muitos artistas para as iniciativas de combate à escravidão e ao tráfico de crianças.


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