São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

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Na Bósnia, islã revigorado põe laicismo à prova


A nação multiétnica enfrenta um desafio crescente ao secularismo

Por DAN BILEFSKY

SARAJEVO, Bósnia-Herzegóvina ­ Treze anos após uma guerra que deixou 100 mil mortos, em sua maioria muçulmanos, a Bósnia assiste a um revival islâmico.
Mais de meia dúzia de novas madrassas (escolas religiosas) foi erguida nos últimos anos, período durante o qual surgiram também dezenas de mesquitas, incluindo a Rei Fahd, um grande complexo de US$ 28 milhões que inclui um centro esportivo e cultural.
Antes da guerra, era quase inusitado ver homens de barba comprida ou mulheres cobertas da cabeça aos pés. Hoje eles são comuns.
Muitas pessoas na Bósnia saúdam o revival muçulmano, que veem como saudável afirmação de identidade num país multiétnico em que os muçulmanos compõem quase metade da população.
Outras, porém, prevêem um choque cultural crescente entre o islã conservador e o secularismo declarado da Bósnia, num Estado que já é frágil.
Há dois meses, homens encapuzados atacaram participantes de um festival gay em Sarajevo, arrastando pessoas de seus veículos e espancando outras, aos gritos de "matem os gays" e "Allahu Akbar" ("Deus é grande"). Oito pessoas ficaram feridas. Líderes religiosos muçulmanos acusaram o evento, que coincidiu com o mês sagrado do Ramadã, de ser uma provocação. Os organizadores do festival disseram que a intenção era promover os direitos de uma minoria, e não causar ofensa.
Nesta capital cosmopolita, onde os bares há muito tempo superam as mesquitas em número, a educação religiosa muçulmana foi introduzida recentemente em jardins de infância, levando alguns pais muçulmanos seculares a queixar-se de que a separação entre religião e Estado estaria sendo violada.
Sociólogos e líderes políticos dizem que o despertar religioso é em parte subproduto da guerra e do acordo de Dayton, mediado pelos EUA, que pôs fim a ela, dividindo o país entre uma Federação Croata-Muçulmana e uma República Sérvia.
"Os sérvios cometeram genocídio contra nós, violentaram nossas mulheres, nos fizeram refugiados em nosso próprio país", disse Mustafa Efendi Ceric, o grão mufti e principal líder espiritual da comunidade muçulmana bósnia. "E agora temos uma Constituição tribal que afirma que temos que dividir o poder político e a terra com nossos matadores", prosseguiu. "Nós, muçulmanos bósnios, ainda nos sentimos cercados em Sarajevo."
Esse ressentimento é evidente. Numa sexta-feira recente, enquanto milhares de fiéis chegavam à imponente mesquita Rei Fahd, um jovem estava sentado diante da mesquita, vendendo uma revista muçulmana popular cuja capa trazia uma foto do presidente eleito americano, Barack Obama. "Hussein, sua América vai matar muçulmanos?", indagava a manchete, usando o nome do meio de Obama, motivo de orgulho para muçulmanos do país.
Enquanto isso, os croatas católicos e os sérvios ortodoxos se aferram a suas próprias identidades religiosas e culturais. A frequência às igrejas está em alta; na República Sérvia, até os ministérios e delegacias de polícia têm seus santos padroeiros ortodoxos.
Muharem Bazdulj, vice-editor do jornal "Oslobodenje", voz da Bósnia secular e aberta, disse temer a ascensão do wahabismo, o movimento conservador sunita originário da Arábia Saudita que visa afastar influências estrangeiras e corruptoras.
Analistas dizem que organizações financiadas com dinheiro saudita investiram cerca de US$ 700 milhões na Bósnia desde a guerra. Boa parte desse valor teria sido investido em mesquitas.
Dino Abazovic é sociólogo da religião na Universidade de Sarajevo e recentemente fez uma pesquisa detalhada com 600 muçulmanos bósnios. Segundo ele, 60% dos entrevistados se disseram a favor de conservar a religião como assunto privado. Apenas uma pequena minoria ora cinco vezes por dia.
Vedrana Pinjo-Neuschul, cuja família mistura sérvios e muçulmanos, vem liderando a luta contra as aulas de islamismo nos jardins de infância do governo em Sarajevo. Os pais podem tirar seus filhos das aulas de religião, mas Pinjo-Neuschul, cujo marido tem origem judaica, católica e sérvia, disse que essa política pode estigmatizar crianças não muçulmanas.
"Não quero ter que explicar a meu filho de quatro anos, Sven, que está apaixonado por sua coleguinha muçulmana Esma, por que, de repente, eles terão que ficar em salas separadas", disse ela num centro comunitário judaico em Sarajevo. "Ninguém tem o direito de separá-los."
Mas ela diz que vem sendo molestada por radicais islâmicos na rua e recebendo e-mails ofensivos em árabe. "Há pessoas que querem transformar a Bósnia em um país muçulmano", disse ela.


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