São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Rede elétrica empacada atrapalha sonho indiano

Por VIKAS BAJAJ

VELDUR, Índia - "Onde há uma lâmpada há escuridão", disse o pescador Bava Bhalekar, líder comunitário na aldeia de Veldur, cerca de 160 km ao sul de Mumbai. "A tragédia é que, embora nossa aldeia tenha esse projeto, nós mesmos não temos eletricidade."
"Esse projeto" é uma usina elétrica inicialmente construída pela Enron. Uma década após a Enron ter deixado a usina, o governo e duas empresas da Índia prometem recuperar sua capacidade plena.
A tragédia, no ver de Bhalekar e de outros moradores, é que, mesmo assim, os blecautes diários, atualmente das 15h às 19h30, continuarão ocorrendo, só que um pouco mais curtos. As autoridades estaduais prometeram que a usina em breve estaria a 100% da sua capacidade.
Mas, até agora, ela continua sendo um monumento não aos problemas da Enron, mas à corrupção, ao clientelismo e às políticas econômicas fracas da própria Índia -algumas das razões pelas quais o país permanece como coadjuvante da China, seu rival cada vez mais poderoso.
Apesar de todo o progresso da Índia nos setores de tecnologia da informação e serviços, o país ainda é incapaz de fornecer energia, água, estradas e outros itens básicos de infraestrutura de modo confiável para a maioria dos seus 1,2 bilhão de habitantes. Cerca de 40% da população, por exemplo, não está conectada à rede elétrica.
Esse deficit energético é também um entrave ao desenvolvimento. Em Maharashtra, o Estado mais industrializado da Índia e onde ficam Veldur e a capital comercial indiana, Mumbai, a demanda por eletricidade superará a oferta em cerca de 30% neste ano, contra 4,5% em 1992.
O fracasso da usina da Enron, então conhecida como Dabhol Power, em 2001, marcou um ponto de inflexão. Desde então, nenhuma grande usina elétrica foi iniciada em Maharashtra.
Ashok Chavan, ministro-chefe (governador) de Maharashtra, disse, no final do ano passado, que seu governo eliminaria num prazo de três anos os apagões que afligem a maior parte do Estado para além de Mumbai.
Para os moradores de Veldur, a recuperação da usina -faz quatro anos que ela opera abaixo da capacidade- tem sabor agridoce.
Embora algumas pessoas tenham sido contratadas na usina nessa nova fase, a falta de eletricidade confiável faz com que o gelo necessário para manter a pesca diária tenha de vir de caminhão.
Especialistas disseram que a meta de Chavan, como muitas promessas feitas por autoridades indianas, não está amparada por ações reais.
Como em outros projetos, o sucesso da usina, agora conhecida como Ratnagiri Gas and Power, dependerá de o governo achar conveniente destinar a ela mais gás natural dos campos domésticos.
A usina irá competir com outras companhias elétricas, químicas e de fertilizantes que querem e precisam de mais gás. Foi pensando em resolver os problemas energéticos da Índia que o país se voltou à Enron e a várias outras empresas estrangeiras no começo da década de 1990.
A Índia queria oito projetos com início rápido para sacudir a nação da letargia da sua economia socialista. Todos os projetos, menos um, tiveram problemas. O projeto Enron-Dabhol foi o fracasso mais espetacular de todos.
Para que a matemática do projeto funcionasse, o Estado teria de aumentar o preço da energia no varejo e reprimir o furto de eletricidade; nada disso ocorreu. Maharashtra acabou pagando à Enron 4,67 rupias por cada unidade de energia, embora cobrasse apenas 1,89 rupia de seus clientes.
"Esse foi um clássico caso do que nunca deveria ser feito", disse Suresh Prabhu, ministro de Energia da Índia na época em que a Enron fechou a usina, em 2001, após uma disputa entre Maharashtra e a empresa sobre quanto cada lado devia ao outro.
A usina passou cinco anos fechada, enquanto as negociações se arrastavam, e a Dabhol reabriu como Ratnagiri Gas and Power em 2006, sob tutela de duas estatais indianas.
Mas a retomada se mostrou difícil. Os projetos e documentos necessários para religar a usina haviam sumido, e o equipamento sofreu três quebras catastróficas. Agora, ela até planeja uma expansão, a ser iniciada nas próximas semanas.
Surya Sethi, ex-funcionário do Banco Mundial que rejeitou um pedido de financiamento para o projeto Dabhol, disse recentemente que a Índia aprendeu lições com esse fracasso. Mas acrescentou que o país ainda vai demorar a lidar com vários outros desafios no setor energético. "Não dá para transformar de repente a Índia em China", disse.


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