São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 2009

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INTELIGÊNCIA

Roger Cohen

O poder da imagem

Nova York

A China foi um dos lugares onde o levante iraniano contra uma eleição fraudulenta ganhou cobertura mais escassa. Lá, a mídia oficial procurou ignorar o tumulto no país persa, e houve tentativas de bloquear a divulgação on-line de imagens das manifestações.
A razão disso era clara: no 20? aniversário da repressão ao movimento estudantil chinês, qualquer protesto de massas e sua repressão brutal suscita memórias incômodas da praça Tiananmen.
Agora, a própria China enfrenta um levante violento em sua região ocidental, com uigures (etnia de religião islâmica) entrando em choque com chineses da etnia han, nos piores conflitos étnicos em décadas no país. Como no Irã, as autoridades tentam sufocar o movimento de protesto com uma combinação de tecnologia e força: cortando o acesso à telefonia celular, bloqueando a internet e enviando a polícia para reprimir as multidões.
Os distúrbios na China traem um dilema interessante. Como o Irã -república islâmica cujo líder aspira a comandar o mundo muçulmano- deve encarar um levante de muçulmanos em um Estado autoritário?
A fidelidade islâmica requer a solidariedade com os uigures, enquanto a solidariedade repressiva exige que se tome o partido das forças de segurança chinesas. No clima iraniano atual, a resposta vem sendo previsível: a mídia oficial praticamente não fez menção aos distúrbios na China e não mencionou em absoluto o fato de um dos lados ser muçulmano.
Irã e China são Estados autoritários que, de modo geral, não chegam a exercer controle totalitário absoluto. Adaptando-se ao século 21, eles limitam as liberdades e exercem repressão quando isso é crucial para a manutenção do sistema, mas permitem alguma medida de liberdade: de viagens, comércio e, às vezes, de expressão.
Podemos chamá-los de os novos Estados da "linha vermelha". Vivam suas vidas e ganhem dinheiro, dizem, mas nunca cruzem as linhas vermelhas, ou seja, não se organizem contra o sistema ou façam críticas à liderança.
Esses métodos pareciam eficazes, mas já mostraram suas limitações. Surpreendido com uma onda de apoio ao líder oposicionista Mir Hossein Mousavi na eleição de 12 de junho, o regime iraniano optou pela repressão brutal em defesa de uma mentira eleitoral. A mudança de controle light para repressão selvagem foi repentina e devastadora, impelindo muitos jovens iranianos da anuência relutante para a oposição aberta.
Apesar da repressão, os jovens iranianos têm dado testemunho dos fatos -com fotos e vídeos registrados por celulares, via Twitter e outras redes sociais- e, com isso, acumularam provas claras contra os usurpadores do 12 de junho. Com o tempo, o "efeito Neda" -a imagem de Neda Agha-Soltan com seus olhos se paralisando, a vida se esvaindo e o sangue cobrindo seu rosto- enfraquecerá o regime.
Com seu sistema unipartidário, a China não promove nenhum faz-de-conta eleitoral, mas também vem sendo delatada pelo poder da imagem e da palavra que se disseminam pela internet. Os tumultos atuais em Xinjiang têm origem em um incidente ocorrido a milhares de quilômetros de distância, no sul da Província de Cantão, onde, em junho, dois uigures foram assassinados.
Fotos apareceram on-line. O governo tentou apagá-las, mas não conseguiu. Chamados por protestos se espalharam por sites na web e mensagens instantâneas. Novamente o governo tentou bloquear as discussões on-line sobre o incidente. Mas a revolta uigur já tinha ganhado contornos virais.
Segundo números oficiais, 156 pessoas já foram mortas nos protestos. Como no Irã, imagens de policiais enfrentando mulheres chorando se multiplicam, transmitindo sua carga emocional por todo o país e o mundo.
Tanto o Irã quanto a China tentam atribuir a culpa pelos distúrbios a pessoas de fora do país. Eles identificaram agentes estrangeiros que supostamente orquestraram os fatos. Deveriam procurar as causas mais perto de casa.
A repressão, a injustiça e a brutalidade se defrontaram com uma força difícil de controlar: o empoderamento das pessoas por meio da tecnologia. A comunicação alimenta a sede de liberdade que, em última análise, pode ser mais forte que qualquer linha vermelha.

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