São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENSAIO

Roberta Smith

Obra-prima é reinventada em Veneza

VENEZA - Você pode amar ou odiar. Pode tachá-la de arte medíocre, kitsch. Mas, se estiver em Veneza para ir à Bienal de artes, não deixe de ver o casamento entre pintura do alto Renascimento e tecnologia avançada que é "The Wedding at Cana", do cineasta britânico Peter Greenaway. É, no mínimo, uma ótima aula de história da arte.
Com o subtítulo de "Uma Visão de Peter Greenaway", essa extravagância digital de luz, som, ilusão teatral e dissecação formal está sendo projetada sobre e em volta de uma réplica em tamanho integral de "O Casamento em Cana", de Paolo Veronese, um reverenciado marco da pintura ocidental.
A réplica é, em si mesma, uma maravilha de reprodução digital. Ela recobre a grande parede dos fundos do refeitório beneditino na ilha de San Giorgio Maggiore, exatamente o lugar ocupado pela pintura original entre 1562, quando Veronese a concluiu, e 1797.
Foi nesse ano que Napoleão a mandou tirar da parede, a recortou e a levou a Paris como espólio de guerra. A tela foi enviada ao Louvre, onde seu domínio de luz e cor enfeitiçou os pintores franceses e influenciou o desenvolvimento do impressionismo.
Como o original, o clone mede quase 7,3 m por 10 m; ele dá a impressão de incluir até mesmo as marcas da segmentação feita por Napoleão. Foi criado com muito trabalho, pixel por pixel, e instalado no refeitório restaurado -uma obra do arquiteto renascentista Andrea Palladio- em 11 de setembro de 2007, exatos 210 anos após sua remoção. O timing não poderia ter sido melhor para Greenaway.
"O Casamento em Cana" é o terceiro da série "Nove Telas Clássicas Revisitadas", de Greenaway, que está sendo produzida pela Change Performing Arts. A primeira visita, em 2006, focou "Ronda Noturna", de Rembrandt, no Rijksmuseum, em Amsterdã (Holanda). A segunda, no ano passado, envolveu uma réplica em tamanho original da "Última Ceia", de Leonardo Da Vinci, na Santa Maria della Grazie, em Milão.
Por alguma razão, não recebi a notícia desse projeto ambicioso. Estando em Veneza para a Bienal, e tendo ouvido que o trabalho de Greenaway valia a pena ser visto, fui sem saber o que esperar, sentei-me com outros visitantes no frio chão de mármore do refeitório, inclinei-me para trás, olhei para cima e, quando o trabalho começou, fiquei estarrecida.
O grande espaço de Palladio ganhou vida com imagens, música, palavras, diagramas animados e efeitos especiais que passaram a decompor de cada ângulo imaginável a composição pictórica de Veronese, a estrutura social e o drama, que é ostensivamente sobre o primeiro milagre de Jesus, a transformação de água em vinho, mas na realidade trata do estilo de vida dos ricos e aristocratas de Veneza no século 16.
Nenhuma parte da imagem de Veronese se move, mas a peça nunca fica parada. Closes dos rostos vistos na pintura, que surgem nas paredes laterais entre as grandes janelas do Palladio, se alternam com diagramas vermelhos de partes da composição, vistos como se fosse desde o alto. Também há subtítulos indicando as conversas cochichadas que Greenaway escreveu para os 126 convidados do casamento.
Mas a análise formal e espacial da imagem, suas figuras, o ambiente arquitetônico grandioso e a vista profunda são os elementos mais fascinantes. Em vários momentos são empregados artifícios conhecidos da história da arte, mas, mesmo assim, é espantoso ver tantos deles usados tão rapidamente, sem esforço e em escala real.
Assim, em vez de receber informações a conta-gotas, como nas aulas usuais de história da arte, você tem a ilusão de enxergar e pensar por si mesmo, com poderes aumentados. A próxima parada deveria ser feita no Louvre de Paris, para ver a tela real. E os planos de Greenaway para o futuro incluem "Guernica", de Picasso, "Grand Jatte", de Seurat, obras de Pollock e Monet, "Meninas", de Velázquez, e talvez "O Julgamento Final", de Michelangelo. Vale a pena aguardar.

"The Wedding at Cana" fica em cartaz até o início de agosto e, depois, do final de agosto até a segunda semana de setembro.

refeitório Palladio, ilha de San Giorgio Maggiore, Veneza

www.changeperformingarts.it


Texto Anterior: ARTE & ESTILO
Vampiros conquistam o cinema e a moda

Próximo Texto: Formado em bibliotecas, escritor paga sua dívida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.