São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2010

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Mortos se juntam aos vivos em celebração

Por BARRY BEARAK
AMBOHIMIRARY, Madagascar - Com fanfarra digna de uma parada festiva, os restos mortais de 17 pessoas, envoltos em mortalhas, foram retirados da cripta familiar; alguns receberam jatos de perfume caro, outros tiveram vinho espumante jogado sobre eles. Cinco bandas de metais tocavam melodias alegres, e cada cadáver a sair da cripta era içado sobre os ombros de seu grupinho próprio de foliões, que, então, dançavam alegremente com os ossos dos mortos.
"É bom agradecer pessoalmente aos ancestrais, porque devemos tudo a eles", disse o lavrador Rakotonarivo Henri, 52 anos, que acabara de colocar o corpo de seu avô no chão e se aproximava dos restos mortais de uma tia. "Não nascemos do barro -nascemos desses corpos."
Aqui, no planalto central de Madagascar, os corpos dos ancestrais são retirados periodicamente de seus túmulos.
Depois das danças, os corpos embrulhados são postos no chão, e os familiares passam as mãos com ternura sobre os esqueletos, perceptíveis através das mortalhas.
O ritual é chamado famadihana e é praticado por milhões de pessoas neste país, uma ilha enorme no oceano Índico, muitas vezes em conjunção com suas religiões diversas.
Muitos malgaxes acreditam que o limite entre a vida e a morte não é inteiramente estanque e que os espíritos de seus antepassados conseguem passar de um lado a outro dessa divisão. Para eles, a famadihana é o momento de transmitirem aos mortos as notícias mais recentes da família e lhes pedir bênçãos e orientações.
Rakotonarivo participou recentemente de uma conversa significativa desse tipo. "Pedi saúde a eles [os ancestrais], e, é claro, pedi que me ajudassem a acumular riqueza, o que também é bom", contou.
Mas outros veem esse tipo de pedido como contrário às suas crenças cristãs.
"Não acreditamos que podemos nos comunicar com os mortos, mas acreditamos que a famadihana fortalece nossa família ao longo das gerações", explicou Jean Jacques Ratovoherison, 30, que gerencia uma empresa de tecnologia.
O pequeno povoado agrícola de Ambohimirary fica 32 quilômetros a oeste da capital nacional, Antananarivo. Suas casas de tijolos não têm esgoto ou água encanada; a única luz elétrica é produzida por baterias e geradores. A maioria das pessoas que vive ali divide ancestrais comuns.
A famadihana já estava atrasada. Normalmente o ritual é realizado a cada cinco ou sete anos. Em Ambohimirary, o túmulo estava selado desde 1998.
Mas algumas pessoas da família não quiseram participar. "Isso é pura perda de dinheiro", disse Randriamanajara Rindra, motorista de táxi cuja seita protestante desencoraja a participação no ritual.
"Além disso, não existe relação entre vivos e mortos. Quem morre desaparece."
Rakotonirina Armand, chefe de outro ramo da família, dançou com os ossos de quatro parentes. "Nós os deixamos muito felizes", disse. "Eles me contaram."


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