São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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LENTE

O que a bebida tem a nos dizer

Desde bares de “soju” em Seul até as caipirinhas do Brasil, os rituais do consumo de álcool têm raízes culturais profundas. Mas a consciência crescente dos males que a bebida pode provocar —alcoolismo, violência doméstica, acidentes de trânsito— deixam um sentimento onipresente de incômodo em relação ao lugar apropriado para o consumo de cerveja, vinho e bebidas destiladas nas sociedades modernas.
O seriado de TV americano “Mad Men”, por exemplo, mostra uma agência publicitária do início dos anos 60 mergulhada em bebida: xerez pela manhã, gim no almoço, uísque à tarde. O barman Carlo Marioni, 65, contou ao “New York Times”: “Naquele tempo, as pessoas tomavam três martinis no almoço. Depois, voltavam antes do jantar para outros drinques”.
Agora, porém, os empregadores são mais cuidadosos com a mistura de álcool com trabalho. Eileen Zimmerman escreveu no “Times” que Cy Wakeman, presidente de uma firma de recursos humanos no Iowa (EUA), disse que, quando sai para beber com colegas de trabalho, “há um risco muito alto de ocorrer algo negativo”.
Será que a mesma máxima se aplica aos magos? Tara Parker-Pope revelou no “Times” que alguns pais americanos ficaram alarmados com as cenas de “Harry Potter e o Enigma do Príncipe”, o filme mais recente baseado na série de livros de J.K. Rowling, em que os personagens Harry, Ron e Hermione tomam uma mistura chamada “butterbeer”. O psiquiatra Christopher Welsh, da Universidade de Maryland, especializado em dependências, disse: “Espero que os pais possam conversar com seus filhos e lhes dizer que, embora Harry Potter tenha feito com que pareça divertido, não devem beber.”
Parker-Pope observou que o público não americano talvez enxergue as cenas sob outra ótica. A idade legal mínima para o consumo de álcool é de 21 anos nos EUA, superior à maioria dos países europeus, asiáticos e latino-americanos.
Mas, na Austrália, onde beber álcool é permitido a partir dos 18 anos, a preocupação com a bebida virou urgência em algumas comunidades aborígines dizimadas pelo alcoolismo e a violência. O governo federal e alguns governos locais aborígines tentam limitar a disponibilidade de bebidas alcoólicas em partes do interior do país. “Sabemos como era a vida antes do álcool”, disse Doreen Green, 65, professora aborígine em Halls Creek, ao “Times”. “Éramos uma raça orgulhosa e unida. O álcool tomou conta de tudo.”
Apesar dos custos sociais do álcool, seu consumo também apresenta benefícios sociais, fato reconhecido nos mais altos escalões do governo. Em julho, o presidente dos EUA, Barack Obama, convidou as partes ofendidas envolvidas numa contestada prisão para tomarem uma cerveja juntas na Casa Branca. Um professor negro da Universidade Harvard e o policial branco que o acusou de conduta desordenada viajaram juntos de Cambridge, Massachusetts, a Washington. A mídia fez questão de divulgar a bebida que cada um escolheu (Obama tomou uma cerveja light). O que ficou em grande medida sem ser dito foi a premissa de que o simples ato de beber juntos era uma maneira de criar um vínculo.
É uma premissa compartilhada pelos publicitários de “Mad Men” e, possivelmente, também pelos magos de Hogwarts. E ajuda a explicar por que, em muitos lugares, a garrafa seja presença constante onde pessoas se reúnem. Como se diz na Etiópia: “Letenachin!”.


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