São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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Vida Útil: Relacionamentos

Ensaio
Natalie Angier

Troca de cônjuges não é um jogo só para homens


Tribo da Tanzânia muda de maridos com facilidade

Quando um casal se divorcia em boa parte do mundo ocidental, a renda média da mulher e dos filhos dela dependentes frequentemente sofre queda de 20% ou mais. A renda de seu ex, agora livre —que raramente termina pagando em pensão alimentícia tanto quanto antes contribuía para as finanças familiares—, sobe em grau correspondente. Com isso, o novo solteiro se vê perfeitamente posicionado para atrair uma nova mulher, mais jovem, e formar outra família.
Assim, não surpreende que muitos observadores de viés darwiniano dos usos e costumes relativos à formação de casais afirmem há muito tempo que a monogamia serial não passa de uma versão socialmente sancionada da formação de haréns. Já as mulheres, por outro lado, não são vistas como pessoas que naturalmente trocam de parceiro de maneira serial. A partir do momento em que forma uma família, presume-se que ela busque estabilidade.
No entanto, em estudo publicado no periódico “Human Nature”, Monique Borgerhoff Mulder, da Universidade da Califórnia em Davis, mostra evidências de que em pelo menos algumas culturas não ocidentais, em que as condições de vida são difíceis e as mães precisam lutar para manter seus filhos vivos, a monogamia serial não é um jogo restrito aos homens.
Pelo contrário, disse Borgerhoff Mulder: entre a tribo Pimbwe da Tanzânia, a monogamia serial se parece menos com poliginia que com a poliandria, ou seja, uma mulher beneficiando-se ao máximo de vários parceiros.
Borgerhoff Mulder constatou que, embora os homens da tribo Pimbwe apresentem tendência um pouco maior que as mulheres a casar-se várias vezes, as mulheres se destacam e até mesmo superam os homens no topo da escala, onde ficam as pessoas que já tiveram cinco ou mais cônjuges consecutivos. E, quando Borgerhoff Mulder analisou quem se beneficiava mais, em termos reprodutivos, da monogamia serial, benefício esse medido pelo número de crianças que sobreviveram além dos primeiros cinco anos de vida, repletos de perigos, ela constatou uma vantagem em favor das mulheres. As que tinham tido mais de dois maridos possuíam, em média, um número maior de filhos sobreviventes que as mulheres menos atiradas.
Entre as mulheres, aquelas que tinham tido o maior número de cônjuges eram vistas como parceiras de alta qualidade —as que trabalhavam mais, as mais confiáveis e pouco afeitas à bebida. Entre os homens, pelo contrário, quanto mais alta a contagem de esposas, mais baixo seu ranking, e maior a probabilidade de serem bêbados contumazes e ociosos.
“Somos tão aferrados ao modelo que reza que homens se beneficiam de múltiplos casamentos que as mulheres viram vítimas do jogo”, disse Borgerhoff Mulder. “Mas meus dados sugerem que as mulheres Pimbwe escolhem seus homens estrategicamente, abandonando-os e casando-se com outros à medida que sua situação econômica passa por altos e baixos”.
Apesar de preliminar, a análise é baseada em um dos conjuntos de dados mais completos já compilado sobre padrões de casamento e reprodução em uma cultura não ocidental. Os resultados ressaltam a importância de se evitar generalidades daquilo que se poderia apelidar de “evolução light”, que proclama verdades universais sobre a natureza humana. Ao longo da história e em diferentes sociedades, disse Borgerhoff Mulder, “há variações fantásticas nas estratégias reprodutivas empregadas pelas mulheres”.
Os Pimbwe vivem em vilarejos pequenos e ganham a vida com a agricultura, pesca, caça e coleta. Não existe muita divisão sexual formal do trabalho. “Em termos de agricultura, homens e mulheres realizam mais ou menos as mesmas tarefas”, disse Borgerhoff Mulder. “Os homens costumam cozinhar e fazer muitas coisas com as crianças.”
Diferentemente do que ocorre no Ocidente, onde homens controlam uma parcela maior dos recursos do que as mulheres, ou de sociedades pastorais comuns na África e no Oriente Médio, onde a mulher é dependente da riqueza de seu marido, as mulheres Pimbwe são independentes e vivem em igualdade de recursos com os homens.
Isso não significa que as mães consigam criar seus filhos sozinhas. Mais uma vez em contraste com o Ocidente contemporâneo, a mortalidade infantil ainda é uma ameaça séria, e são necessários os esforços de mais de um adulto para manter um bebê vivo. Um marido bom e trabalhador pode ser uma grande vantagem —e os parentes dele, também.
A teórica evolucionista Sarah Blaffer Hardy propõe que uma razão pela qual os filhos das mulheres Pimbwe que se casam muitas vezes se saem comparativamente bem é que os filhos acabam tendo um círculo cada vez maior de pessoas que cuidam deles. “As mulheres acumulam mais proteção, mais investimento e mais relacionamentos sociais para seus filhos”, disse ela. “Boa parte do que algumas pessoas chamariam de promiscuidade, eu diria que é ser maternal.”


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