São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nova lei de família divide o Marrocos

Steven Erlanger/The New York Times
Apesar do código de família mais liberal, a lei marroquina não protege as mulheres que fazem sexo fora do casamento. Um grupo privado, o 100%Mamans, ajuda esta mãe solteira em Tânger

Por STEVEN ERLANGER e SOUAD MEKHENNET

TÂNGER, Marrocos — Apesar de uma reforma importante do código de família do Marrocos feita em 2004, o sexo fora do casamento não é reconhecido no país, nem a homossexualidade.
A nova lei, conhecida como Moudawana, foi imposta a um Parlamento relutante pelo jovem rei Mohamed 6°. Ela não oferece proteção a mulheres como Latifa al Amrani, 21, que está prestes a se tornar mãe solteira. Ela conheceu um homem, Ali, que disse ser policial. Um dia, ele a levou supostamente para conhecer sua tia. Era um apartamento vazio, e eles fizeram amor.
“Ele me disse que queria casar comigo”, contou Amrani. “Mas então ele trocou seu número de telefone, e não consegui mais encontrá-lo.” Ela deu queixa à polícia, mas não teve retorno. Seus pais lhe bateram, ela disse, por isso fugiu.
Mas Amrani pretende ficar com seu bebê. Um dos motivos de sua confiança é o trabalho de um grupo beneficente chamado 100%Mamans, criado em 2006 por Claire Trichot, 33. Com a ajuda de uma organização não governamental espanhola e de doadores privados, ela oferece alimentação, abrigo e educação para mães solteiras, leva-as a hospitais para o parto e depois as ajuda a cuidar dos bebês e a encontrar trabalho.
A maioria das jovens foi rejeitada por suas famílias e abandonada pelos pais de seus filhos, disse Trichot. As mesquitas as ignoram; as famílias às vezes as expulsam; a polícia geralmente acha que até as vítimas de estupro estão mentindo.
“Queremos garantir que essas mulheres sejam tratadas com justiça”, disse Trichot.
A lei Moudawana foi muito elogiada, porque deu às mulheres direitos iguais aos dos homens no casamento, incluindo o direito de pedir divórcio; aumentou a idade legal para o casamento de 15 para 18 anos; e deu às primeiras mulheres o direito de recusar se seus maridos quiserem ter uma segunda cônjuge. A lei tornou o divórcio um procedimento legal, eliminando a tradição de o marido se divorciar da mulher simplesmente entregando-lhe uma carta.
Mesmo cinco anos depois, a lei é bastante polêmica, e muitos juízes de família são suscetíveis à corrupção, segundo grupos que promovem os direitos femininos, como a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres, de Casablanca. “Você não pode esperar uma mudança rápida de mentalidade e de hábitos em apenas cinco anos”, disse Touria Eloumri, presidente da associação.
Há casos em que o consentimento da primeira mulher a um segundo casamento é forjado, ou uma mulher aparece diante do juiz fingindo ser a esposa de um homem, disse Eloumri. Há longas demoras, e o sistema de tribunais familiares começa a ser instituído. Muitas mulheres querem mais mudanças.
Em uma recente pesquisa feita pela revista marroquina “TelQuel” e pelo jornal francês “Le Monde”, 91% tinham opiniões favoráveis sobre o rei. Mas a mesma pesquisa, que foi proibida pelo governo, revelou que 49% disseram que a Moudawana dá “direitos demais às mulheres”, enquanto 30% disseram que dá “direitos suficientes às mulheres” e não deveria ir além.
Hinde Taarji, 52, escritora e jornalista divorciada, recentemente adotou um filho. “É evidente que a nova lei não pode ser implementada da maneira como deveria, por enquanto”, ela disse. “Mas é um sinal importante.”
Ela falou sobre uma amiga que dirigia um hotel e estava separada há 15 anos, mas não podia obter o divórcio porque seu marido o recusava. Sob a nova lei, ela finalmente se divorciou.
“Mesmo com a melhor lei do mundo, a corrupção do sistema judiciário ainda é um problema muito grande aqui”, disse Taarji. “Mas muitas coisas mudaram para melhor no Marrocos.”
Ainda assim, o maior problema para as jovens é a falta de educação; há pouca educação sexual, mesmo em casa, e quase 70% das mulheres que procuram a 100%Mamans são analfabetas. “Elas saem de casa, vão para as cidades trabalhar e ganham liberdade”, disse Trichot. “Depois, conhecem rapazes, mas ainda não estão prontas.”


Texto Anterior: Vida Útil: Relacionamentos
Ensaio: Troca de cônjuges não é um jogo só para homens

Próximo Texto: O advogado temido pelos ricaços britânicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.