São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

África debate melhor forma de criar seus órfãos

Por CELIA W. DUGGER
DISTRITO DE MCHINJI, Maláui - O orfanato Casa da Esperança fornece a Chikodano Lupanga, 15, três refeições por dia, uniformes escolares, sapatos pretos e uma educação decente.
Sua prima órfã, Jean, 11, que se recusou a entrar no orfanato e vive com sua irmã mais velha, não tem sapatos, usa roupas velhas e com frequência passa fome. Repetindo a terceira série pela terceira vez, Jean disse que lamenta não ter crescido no orfanato onde a cantora Madonna adotou um menino. Se tivesse ficado, ela sussurrou, "teria aprendido a ler".
Em um país tão pobre quanto Maláui, as crianças colocadas em instituições muitas vezes são consideradas felizardas. Mas, enquanto surgiram em toda a África orfanatos sustentados por doações de igrejas e instituições de caridade ocidentais, as famílias que cuidam da grande maioria dos órfãos do continente não recebem qualquer ajuda, como mostram pesquisas domiciliares.
Pesquisadores dizem que uma maneira muito melhor de ajudar essas crianças carentes é com simples doações -US$ 4 a US$ 20 por mês em um programa experimental inaugurado em Maláui- feitas diretamente aos parentes que cuidam delas. Esse programa poderá dar bolsas para oito famílias que cuidam de cerca de duas dúzias de crianças pelos mesmos US$ 1.500 ao ano gastos para patrocinar uma criança na Casa da Esperança, estimou Candace Miller, professora da Universidade de Boston e pesquisadora do projeto.
Especialistas afirmam que os orfanatos são caros e muitas vezes prejudicam as crianças, ao separá-las de suas famílias. A maioria das que vivem em instituições em todo o mundo tem um dos pais ou um parente próximo vivo e geralmente entrou nos orfanatos por causa da pobreza, segundo relatórios da Unicef.
"Como há dinheiro nos orfanatos, as pessoas os estão criando e recebendo crianças", disse Biziwick Mwale, diretor da Comissão Nacional da Aids de Maláui.
O fundador da Casa da Esperança, reverendo Thomson Chipeta, 80, disse que as crianças precisavam do orfanato porque suas famílias eram pobres. "Se elas tiverem o privilégio de uma casa como esta, será muito melhor."
A instituição de caridade de Madonna, Raising Malawi, paga a maior parte do orçamento operacional da Casa da Esperança e ajuda centros comunitários onde os órfãos que ficam com seus parentes podem receber alimentação e serviços, disse o diretor da entidade, Philippe van den Bossche. Segundo ele, os orfanatos não são a melhor solução, mas eram necessários quando as famílias não podiam cuidar das crianças.
No vídeo de Madonna sobre os órfãos da Aids em Maláui, "I Am Because We Are" (Eu sou porque nós somos), ela diz que foi atraída ao país quando soube que essas crianças "estavam em toda parte, vivendo nas ruas, dormindo embaixo de pontes, sendo sequestradas e violentadas".
Mas, em toda a África, dados demográficos mostram que até as famílias mais pobres geralmente cuidam das crianças cujos pais morreram. E, embora a Aids tenha piorado a crise dos órfãos na África, a ONU recentemente estimou que das 55,3 milhões de crianças na África subsaariana que perderam pelo menos um dos pais, a Aids é responsável por 14,7 milhões.
A Iniciativa Conjunta de Aprendizado sobre Crianças e HIV/Aids, que reuniu dezenas de especialistas internacionais para revisar centenas de estudos, neste ano endossou programas que dão às famílias mais pobres um modesto apoio financeiro, incluindo programas de transferência de dinheiro como o de Maláui.
Mais de US$ 1 bilhão em ajuda estrangeira foi gasto nos últimos cinco anos com órfãos e crianças vulneráveis, mas alguns grandes doadores não podem saber exatamente como suas contribuições foram aplicadas. Os pesquisadores dizem que os doadores precisam evitar programas ineficazes, analisando bem aqueles que são administrados por ONGs internacionais ou governos, mas dependem de voluntários nas aldeias para fazer o trabalho.
"Muito dinheiro está indo para essas iniciativas, com muito pouco retorno", disse Linda Richter, que dirige o programa infantil do Conselho de Pesquisas de Ciências Humanas da África do Sul.
Em Maláui, centenas de grupos comunitários receberam quantias modestas para iniciar pequenas empresas e deverão doar seus lucros para os órfãos.
Pauline Peters, antropóloga de Harvard, e Susan Watkins, socióloga da Universidade da Pensilvânia, que trabalharam independentemente durante anos em aldeias de Maláui, dizem que os órfãos receberam poucos benefícios dos milhões de dólares gastos. "Os doadores têm fantasias sobre como as coisas funcionam -que é possível mobilizar as pessoas para cuidar de crianças que não são delas sem pagar por isso", disse Watkins.


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