São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

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Falando de sexo com a ajuda do Corão

Por ROBERT F. WORTH

DUBAI - Wedad Lootah não parece uma ativista sexual. Uma muçulmana nativa dos Emirados Árabes Unidos, ela usa uma longa túnica preta que deixa ver apenas seus olhos através de fendas estreitas -e salpica sua conversa de citações do Corão.
Mas ela também é a autora do que, para o Oriente Médio, é um novo livro surpreendentemente franco de conselhos eróticos, que celebra o orgasmo feminino, confronta temas tabus como o homossexualismo e pede que os árabes superem tradições retrógradas que limitam sua felicidade sexual.
O livro, "Top Secret: Sexual Guidance for Married Couples", é cheio de casos vívidos dos oito anos em que Lootah foi conselheira matrimonial no principal tribunal de Dubai. Foi um escândalo imediato quando ele foi publicado em árabe nos Emirados, em janeiro, recebendo elogios de alguns liberais e ameaças de morte de conservadores, para os quais ela é culpada de blasfêmia ou coisa pior.
"As pessoas disseram que eu era louca, que estava me desviando do islã e deveria ser morta", disse Lootah. "Até minha família perguntou por que preciso falar sobre isso. Eu digo: 'Esses problemas acontecem todos os dias e não devem ser ignorados'."
Lootah, uma mulher comunicativa de 45 anos, faz parte de um número pequeno mas crescente de árabes que pressionam por maior abertura e educação sobre sexo. Ao contrário de gerações anteriores de mulheres que costumavam envolver suas críticas em uma linguagem ocidental de emancipação feminina, Lootah e outros não podem ser descartados como forasteiros, pois tendem a basear suas mensagens no Corão. Lootah submeteu seu livro ao mufti (acadêmico islâmico que interpreta a sharia) de Dubai antes de publicá-lo, e ele deu sua aprovação.
Ela não é uma liberal pelos padrões ocidentais. Um dos temas de seu livro é o perigo do sexo anal e do homossexualismo, não por causa da Aids mas porque o Corão os proíbe. Mas sua abertura sobre o tema foi um choque para muitos.
Na Arábia Saudita e em outros países onde os gêneros são separados com rigor, muitos homens têm suas primeiras experiências sexuais com outros homens, o que afeta suas atitudes em relação ao sexo no casamento, disse Lootah.
"Muitos que fizeram sexo anal com outros homens antes do casamento querem o mesmo com suas mulheres, porque não conhecem outra coisa", disse ela. "É um dos motivos pelos quais precisamos de educação sexual nas escolas."
A modernização do golfo Pérsico nas últimas décadas abalou algumas estruturas sociais árabes. Ao mesmo tempo, a ascensão do islamismo político minou autoridades tradicionais, deixando muitos árabes confusos sobre temas morais.
Um resultado é a seção de Orientação Familiar no Tribunal de Dubai, que abriu em 2001 com Lootah como conselheira (hoje há outros seis, todos homens). O governo do Kuwait oferece serviços semelhantes desde os anos 1990, e outros países do golfo os estão seguindo.
Ainda há obstáculos poderosos. Em uma região onde ainda são comuns as "mortes por honra" de mulheres que têm sexo fora do casamento, a educação sexual é vista como uma porta para o pecado.
A seção de Orientação Familiar foi criada em parte para cumprir o preceito islâmico de que os casais que querem se divorciar devem antes tentar solucionar seus problemas. Tornou-se um destino de terapia para todos os fins para as pessoas com problemas conjugais.
Publicar o livro foi uma opção difícil, comenta Lootah. Um homem ligou para seu escritório e ameaçou matá-la. Outras ameaças apareceram na internet. Ela as ignora e diz que recusou uma oferta de proteção do governo. Educar o público vale o risco, acrescenta. "Alguns dias atrás, uma mulher me perguntou se é certo beijar o corpo inteiro do homem", ela disse. "Eu respondi: 'Leia o meu livro!'"

"As pessoas disseram que eu estava louca, que me desviava do islã e deveria ser morta."
WEDAD LOOTAH
autora de "Top Secret: Sexual Guidance for Married Couples" (Orientação sexual para casais)



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