São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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Situação ruim no berço da revolta árabe

Tunisianos e egípcios estão desiludidos

Por KAREEM FAHIM
Sidi Bouzid, Tunísia
Na Tunísia, assim como no Egito, o otimismo alimentado pelo levante popular caiu por terra diante da realidade fria: a vida não melhorou -em muitos casos, tornou-se ainda mais difícil, à medida que as economias estagnam, e que líderes interinos enfrentam dificuldades para erguer um sistema novo.
Aqui em Sidi Bouzid, o retrato do mais famoso mártir da revolução, Mohamed Bouazizi, foi removido do pedestal na rua onde ele se imolou, desencadeando uma temporada de revoltas que se espalhou pelo mundo árabe.
Os vizinhos de Bouazizi dizem que o retrato foi tirado do lugar algumas semanas atrás em sinal de protesto depois de sua família ter deixado Sidi Bouzid, ato que os vizinhos interpretaram como traição. Mais do que isso, os vizinhos disseram estar furiosos por terem sido deixados para trás em um lugar sem empregos, dinheiro, esperança, bem como sem os famosos Bouazizi para dar voz ao desespero deles. "Ela nos abandonou, e nada aqui mudou", disse um vizinho, Seif Amri, 18, aludindo à mãe de Mohamed Bouazizi, Mannoubia.
A maioria dos moradores, porém, diz que a raiva está voltada contra o alvo errado. Eles atribuem a falta de progresso ao governo de transição, que vem agindo apenas lentamente para resolver uma das queixas fundamentais da revolução -o desemprego juvenil- especialmente aqui na Tunísia central, onde o levante começou.
Mas a amargura forma um contraste agudo com o otimismo cauteloso sobre o progresso da revolução em outras partes do país e ameaça solapar os ganhos conquistados. Em vários momentos nos últimos meses, disputas sobre empregos levaram a episódios de violência fatal.
Analistas dizem que a resposta do governo está sendo insuficiente, tendo consistido principalmente em doações de dinheiro. Eles afirmam também que alguns ministros vêm hesitando em promover projetos governamentais de grande escala que gerariam empregos de curto prazo, optando, no lugar disso, por aguardar que o mercado dê conta de corrigir os problemas.
"Os poucos programas que vieram chegaram tarde ou foram insuficientes", disse Mongi Boughzala, professor de economia da Universidade de Túnis. Os jovens esperavam algo imediatamente. Esperavam que, depois de darem esse passo revolucionário, haveria algum retorno em termos de emprego e de reconhecimento.
"Um jovem que diz 'quero um emprego, estou farto de ser marginalizado e não aguento mais' não se importa se a culpa é do governo ou do mercado", acrescentou.
O desemprego juvenil era grande na Tunísia mesmo antes da revolução, chegando a mais de 40% em cidades como Sidi Bouzid, dizem economistas.
Mas a economia tunisiana foi fortemente atingida após o levante, e a expectativa é que tenha crescimento positivo modesto neste ano. Um setor turístico fortemente prejudicado e o ônus de lidar com os refugiados da guerra na vizinha Líbia agravaram o quadro financeiro do país e seus problemas de desemprego.
Nas últimas semanas, o primeiro-ministro interino, Beji Caid Essebsi, vem se manifestando sobre os 700 mil desempregados do país -mais de 15% da força de trabalho, incluindo 170 mil universitários formados. Ele disse que novos programas governamentais poderão dar emprego a 60 mil pessoas, mas apelou a empresários e investidores para que se concentrem no interior da Tunísia, em depressão econômica.
Os jovens dizem que o governo reage com promessas de ajuda que não passam de palavras e que não dá ouvidos a seus clamores. Nabil Hajbi, que comanda uma associação de jovens, disse que oito ministros foram a Sidi Bouzid recentemente e ignoraram um plano de líderes da região que continha possíveis soluções para o problema do desemprego.
"Eles prometeram muito", disse Hajbi. "É por isso que as pessoas perderam a esperança. O governo não fez nada nesta região. Quer que o povo se acalme primeiro. A população quer que o governo aja primeiro."
Em outros lugares, promessas específicas geraram expectativas altas e, depois, recriminações -ou desobediência civil.
Em Kassrine, professores desempregados vêm promovendo uma ocupação a título de protesto há dois meses, exigindo que o Ministério da Educação cumpra a promessa que fez em abril de contratar 3.000 professores em questão de semanas. Segundo os professores, até agora foram contratados apenas 190.
Zuhayar Arhimi, 38, estava no quarto dia de uma greve de fome. Quando ele desmaiou sob calor forte, seus colegas disseram que ele está desempregado desde que se formou em 2003.
Kassrine e a vizinha Tala sofreram baixas pesadas no levante de janeiro, quando mais de 20 moradores foram mortos.
A maior empregadora da região é uma fábrica de papel, e, como em outras partes, os moradores encontram trabalho sazonal na agricultura, ganhando cerca de US$ 5 por dia.
Samir Rhimi estava sentado nos trilhos do trem, observando catadores de lixo. "Caso não haja desenvolvimento aqui, não haverá estabilidade no país", disse.
Algumas semanas atrás, as autoridades impuseram toque de recolher em Sidi Bouzid, depois de choques violentos entre Exército e manifestantes terem resultado na morte de um garoto de 14 anos.
A família Bouazizi agora vive em Túnis. Sua casa na capital é maior do que a casa pequena na qual vivia em Sidi Bouzid, embora os seis filhos ainda tenham que compartilhar quartos. A família paga US$ 200 por mês de aluguel.
Sua trajetória, de uma cidade pobre do interior para o litoral mais próspero, é repetida por milhares de tunisianos todos os anos. "Aqui é muito melhor que em Sidi Bouzid", disse a irmã de Mohamed, Samia Bouazizi, 20. "Estávamos cansados."


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