São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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Mercado negro chinês vende bebê raptado

Por SHARON LaFRANIERE
LONGHUI COUNTY, China - Yuan Xinquan foi apanhado de surpresa certa manhã em 2005. Pai aos 19 anos, ele carregava sua filha de menos de dois meses em um ponto de ônibus, quando seis homens saltaram de uma perua do governo e exigiram sua certidão de casamento.
Ele não tinha: ele e a mãe da sua filha estavam abaixo da idade legal para o casamento. Ele também não tinha 6 mil renminbi, na época cerca de US$ 745, para pagar a multa que lhe foi exigida. Então, ficou com um saco plástico que continha as roupas da sua filha e leite em pó.
"Eles são piratas", disse Yuan. Quase seis anos depois, ainda espera enviar uma mensagem para sua filha: "Por favor, volte para casa assim que puder".
Na China, a preferência por filhos homens, juntamente com o rígido controle do número de nascimentos, ajudou a criar um lucrativo mercado negro de crianças. A polícia, recentemente, anunciou que havia resgatado 89 bebês de traficantes de crianças, e o vice-diretor do Ministério da Segurança Pública criticou o que chamou de prática de "compra e venda de crianças neste país".
Mas os pais em Longhui dizem que em seu caso foram autoridades do governo que trataram os bebês como uma fonte de renda, habitualmente impondo multas de US$ 1 mil ou mais -cinco vezes a renda anual de uma família média. Se os pais não pudessem pagar, os bebês eram tirados das famílias ilegalmente e, muitas vezes, oferecidos a estrangeiros para adoção.
Pelo menos 16 crianças foram capturadas por autoridades do planejamento familiar entre 1999 e final de 2006 no condado de Longhui, uma área rural na província de Hunan, segundo pais e outros moradores.
A prática teve fim em 2006, segundo os pais, somente depois que um menino de oito meses caiu da sacada no segundo andar de um escritório local do planejamento familiar, enquanto as autoridades tentavam arrancá-lo dos braços de sua mãe.
A mídia chinesa, controlada pelo Estado, ignorou ou suprimiu as notícias sobre sequestros sancionados pelo governo em Longhui e outras regiões até maio passado, quando uma audaciosa revista chinesa, "Caixin", provocou um inquérito oficial.
Mas, em vez de ajudar a localizar e recuperar as crianças abduzidas, dizem os pais, as autoridades estão punindo os que se manifestam. E críticos dizem que os poderes dados às autoridades locais pelo planejamento familiar continuam excessivos e favorecem a exploração. O escândalo também levantou perguntas sobre se estrangeiros adotaram crianças chinesas que foram falsamente declaradas órfãs.
Pelo menos uma agência americana organizou adoções do orfanato de Shaoyang, dirigido pelo governo. Lillian Zhang, diretora da "China Adoption With Love", de Boston, disse que a agência encontrou pais adotivos em 2006 para seis crianças de Shaoyang. As autoridades chinesas certificaram em todos os casos que as crianças eram passíveis de adoção, ela disse. Pais estrangeiros que adotam devem doar cerca de US$ 5.400 ao orfanato.
Relatos de que as autoridades roubavam crianças, espancavam os pais e esterilizavam mães à força semearam terror no condado de Longhui durante anos. Yang Libing disse que era um trabalhador migrante na cidade de Shenzhen, no sul do país, quando sua primeira filha, Yang Ling, foi roubada da casa de seus pais em maio de 2005, com nove meses.
Autoridades do planejamento familiar avistaram aparentemente as roupas de Yang Ling penduradas para secar no quintal. Sua avó tentou escondê-la em um abrigo de porcos, mas o avô, Yang Qinzheng, um membro do Partido Comunista e ex-soldado, a fez sair. "Eu não desobedeço", ele disse. "Faço o que as autoridades mandam."
Os pais de Yang Ling não tinham registrado seu casamento. Para manter o bebê, disseram as autoridades, o avô Yang teria de pagar quase US$ 1 mil no ato. De outro modo, elas disseram que ele teria de entregar a menina com uma falsa declaração dizendo que não era seu avô biológico.
Yang Libing disse que correu para casa para pagar a multa, mas as autoridades disseram que era tarde demais. Quando ele protestou, um grupo de mais de dez homens o espancou, segundo afirmou.
"Não posso nem descrever meu ódio dessas autoridades", disse Yang.
Os moradores dizem que Xiong Chao foi o último bebê que as autoridades tentaram capturar, e um dos poucos que voltaram para casa. Seis anos depois, sua avó, Dai Yulin, diz: "Ele foi à escola primária durante um ano e ainda não consegue reconhecer 1 e 2".
Ali perto fica o quarto pequeno e escuro onde ela disse que tentou, sem sucesso, esconder Chao das autoridades. Ele era o segundo filho de seu filho. As autoridades exigiram quase US$ 1 mil e o levaram quando ela não pôde pagar.
Sua mãe, Du Chunhua, correu ao escritório do planejamento familiar para protestar. Lá, enquanto lutava com dois oficiais na sacada do segundo andar, ela disse que o bebê escorregou de suas mãos e caiu.
Enquanto o bebê estava em coma no hospital, as autoridades se ofereceram para esquecer a multa desde que a família pagasse as contas médicas, ela disse. E também disseram que os Xiong poderiam ficar com ele.


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