São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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DIÁRIO DE HAVANA

Cubanos, enfim, conhecem os Beatles

Por DAMIEN CAVE
HAVANA - O cabelo e o sotaque estavam errados, mas a plateia só se importava com uma coisa: a banda da casa estava interpretando os Beatles em um novo bar chamado Yellow Submarine, em Cuba, onde essa apresentação poderia ter provocado prisões em meados dos anos 1960.
Melhor ainda, talvez por causa dessa história, a banda tocava como rebeldes. Rápidos e crus, eles dispararam por "Rocky Raccoon", e, quando chegaram às palavras iniciais de "Let It Be" -"Quando eu me vejo em momentos difíceis"-, todo o público começou a cantar junto, de olhos fechados, em transe.
"Se não houvesse os Beatles, não haveria rock'n'roll", disse Guille Vilar, um dos criadores do bar. "É uma música feita com autenticidade."
Talvez, mas os revolucionários de Cuba não tinham certeza sobre o que fazer quando ela apareceu. Embora atualmente os laços entre o rock da contracultura e a política de esquerda estejam bem estabelecidos, na época, as autoridades cubanas -pelo menos, algumas delas- viam qualquer coisa em inglês como "americano" e praticamente uma traição.
Os Beatles, juntamente com cabelos compridos, jeans boca-de-sino e homossexualidade, eram considerados motivos de alarme ou prisão, em uma época em que os uniformes verdes eram uma declaração de grande importância.
Cuba, nos anos 1960 e início dos 70, diz Vilar, um musicólogo formado, "era um lugar muito sério".
De fato, muitos cubanos ainda lembram que tiveram de escutar sorrateiramente os discos dos Beatles que conseguiam encontrar depois da crise dos mísseis cubanos e do embargo comercial americano.
Cuba ainda é um país de mídia limitada. Apenas alguns canais podem ser encontrados na televisão. A internet funciona em conexões discadas. E, enquanto a música está praticamente em todo lugar, a maior parte dela se encaixa em um espectro estreito entre baladas românticas e reggaetón.
"Este lugar... é diferente", disse Alexander Peña, um estudante de fora de Havana, ao lado de três amigos no bar.
No entanto, ainda é bastante cubano. O Ministério da Cultura é dono e administrador do clube, que foi inaugurado em março. Isso significa ingresso barato (US$ 2,50), imagens dos Beatles sem licença oficial e garçons de aventais pretos comuns, sendo habitualmente necessário pedir pelo menos três vezes antes que as bebidas sejam servidas de fato.
Vilar, que foi um assessor do projeto, disse que o governo está tentando fazer a coisa certa -reabrir espaços fechados e ampliar a vida noturna de Havana. Em um sábado recente, dois grupos pareciam estar representados: a geração baby boom (usando vestidos elegantes e calças sérias) e jovens na faixa dos 20 anos, de jeans e camisetas justas.
Os fãs mais velhos disseram que o Yellow Submarine lhes permite desfrutar um momento que deveriam ter experimentado décadas atrás. "Você não entende", disse Marisa Valdes, 50, enquanto dançava com seu marido. "Esta música era proibida!"
Para os jovens, porém, o Yellow Submarine oferece o contrário -uma coisa nova. Para alguns, a existência do bar até sugere que o velho governo da ilha está aprendendo novos truques. "Talvez isso mostre que as coisas em Cuba estão mudando", disse Peña.


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