São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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Do calor do verão, surgem as chamadas visões apocalípticas

Por ELLEN BARRY
TBILISI, Geórgia - A notícia de que escorpiões tinham sido avistados em sua rua deixou Nana Beniashvili apavorada.
Os gafanhotos gigantes já tinham sido muito ruins. Depois, houve as cobras, que são conhecidas em georgiano como "aquilo que não pode ser mencionado". Na verdade, ela mesma não tinha visto nenhum escorpião, mas acreditava que uma de suas vizinhas tinha, e, no calor atordoante do verão, ela não estava preocupada em ser detalhista sobre as evidências.
"Isso significa que o apocalipse está chegando", disse Beniashvili, 72, que estava debruçada em sua janela. "Não posso lhe dizer exatamente quando, pois não sou muito informada sobre isso. Mas é claro que o apocalipse está chegando. O mundo enlouqueceu."
Teorias eram propagadas pelo bairro de Beniashvili: que os gafanhotos eram mutações causadas pela fusão na usina de Tchernobil; que as cobras tinham sido importadas em trens por algum inimigo; que todos esses fenômenos eram consequência de explosões no Sol 11 anos atrás.
Mas o comentário mais incisivo foi o de Tamar Khardziani, entomologista do zoológico de Tbilisi, a capital da Geórgia, que passou a maior parte deste verão de intenso calor tentando tranquilizar seus conterrâneos.
"É a Geórgia", ela disse. "Tem de haver alguma coisa para se falar."
No ano passado, a notícia foi gente que tentava se matar saltando de pontes para o rio Mtkvari, cor de lama. Neste verão, os telejornais relataram a pestilência, começando pelas cobras, seguidas de um enxame de gafanhotos muito grandes que estavam migrando pela cidade. Guram Tsiklauri, um herpetologista do zoológico que atende a ligações de cidadãos, está desesperado com o assunto, dizendo que, em 30 anos, não observou qualquer variação na prevalência de cobras, e que, de todo modo, nenhuma das espécies locais é venenosa.
De vez em quando, ele disse, vai a um endereço onde houve queixa sobre cobras e descobre que a casa foi trancada e a família está na rua com a intenção de vender a propriedade.
"Os georgianos são emotivos", ele disse. "Querem ter essa emoção do medo. Eles gostam do sentimento de ameaça." E também conseguem se acalmar rapidamente, ele acrescentou.
Em meados de agosto, quando o calor do verão diminui, todos os pequenos e inofensivos escorpiões recuam das áreas povoadas, aonde costumam ir em busca de sombra ou de alimento.
Mas as cobras continuam perturbando os georgianos; na língua local, a palavra também pode significar o demônio. Quando os cidadãos pedem ajuda a Tsiklauri, evitam, muitas vezes, mencioná-la.
De fato, dentro da casa de Beniashvili, a discussão sobre cobras deixou uma parente mais velha tão nervosa que ela sentiu necessidade de interromper. "Não diga essa palavra!", a mulher pediu do outro lado da porta. "Significa que alguém está dizendo algo ruim sobre você."


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