São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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ARTE & ESTILO

Na cola de Kiefer para conhecer seu labirinto

Por KRISTIN HOHENADEL
PARIS - Em 1993, o artista plástico Anselm Kiefer deixou sua Alemanha nativa e mudou-se para uma fábrica abandonada de seda em um terreno de 35 hectares em Barjac, no sul da França. Ele reformou os velhos prédios industriais para torná-los habitáveis. Em seguida, convocou uma equipe de moradores locais para escavar a terra nua, construir uma rede de túneis subterrâneos e erigir estruturas de concreto para abrigar suas pinturas e esculturas em escala grande feitas de chumbo, madeira, vidro e outros materiais, transformando a paisagem em uma oficina gigante e em uma obra de arte monumental.
Desde então, Kiefer se mudou para Paris, mas seus últimos dias em Barjac foram captados em "Over Your Cities Grass Will Grow", documentário da diretora britânica Sophie Fiennes que está em cartaz no Film Forum, em Nova York, até 23 de agosto e estreia na Alemanha no outono (europeu) deste ano.
A ideia do filme surgiu quando Kiefer, ansioso para que alguém documentasse o universo misterioso que criara, convidou Fiennes para visitar Barjac. "Era um labirinto totalmente louco e desorientador", contou a cineasta de 44 anos. Ela caminhou pelo terreno, passando por túneis iluminados por claraboias ou lâmpadas únicas, e descobriu uma cripta, um anfiteatro e um pedaço de terra semeado de torres de concreto que se assemelhavam a ruínas modernas inspiradas na história bíblica de Lilith.
Kiefer nasceu em 1945, e seu trabalho sempre se remeteu à história e à identidade cultural da Alemanha.
Sophie Fiennes é conhecida por documentários nada convencionais sobre temas muito díspares, como uma igreja pentecostal de Los Angeles ("Hoover Street Revival", 2002) e o filósofo Slavoj Zizek ("The Pervert's Guide to the Cinema", 2006).
"Gosto do elemento de perigo ou da ausência de controle que existe em um documentário", disse Fiennes. "Você mergulha fundo e é obrigado a nadar; é preciso ser muito criativo para sobreviver. Os filmes são formados em resposta ao tema. Não sigo uma fórmula pronta de como fazer um documentário."
Assistir a Kiefer trabalhando é fascinante. Trajando roupas folgadas de linho em tonalidades de terra enquanto brande um maçarico, estilhaça grandes chapas de vidro ou grita ordens a um operador de guindaste que empilha placas de concreto, ele dá a impressão de estar se divertindo mais do que ninguém.
Mas Fiennes insistiu que o filme é mais sobre a obra do que sobre o artista. "Quero deixar claro que eu não filmei Kiefer, mas seu processo", disse ela. Cenas de Kiefer trabalhando são justapostas com cenas estilizadas da oficina, tudo ao som marcante de música de Gyorgy Ligeti.
"Aqueles espaços realmente penetram em sua cabeça", disse Fiennes, "realmente penetram em sua psique. As pessoas pensam nos túneis e nas associações óbvias com a guerra ou com o Holocausto, e há algo de germânico nesses bunkers de concreto que ele, perversamente, chama de pavilhões, com os túneis que lembram trincheiras escavadas. Mas, quando passei mais tempo nos túneis, percebi que não são assustadores. Há algo de melancólico e muito comovente neles."
A única sequência em que ouvimos Kiefer tentando discutir seu trabalho é uma conversa com um entrevistador alemão na biblioteca de Barjac. Kiefer responde às perguntas sérias do entrevistador com referências a Heidegger, ao tédio da infância, à memória celular, à teoria da relatividade, à "Odisseia", ao "Gênesis", aos buracos negros e ao sistema numérico da Nasa para identificar as estrelas.
Ela contou que não se propôs a fazer um filme de arte, mas a documentar um lugar em determinado momento no tempo. "Acho que Anselm quis que eu fizesse um filme sobre Barjac porque ele sente a natureza efêmera das coisas", disse ela. "O fato de que um documentário é capaz de captar algo que nunca mais será igual."
Em uma cena final, Kiefer diz: "A Bíblia afirma que tudo será destruído, e que o capim crescerá sobre vossas cidades. Acho isso fantástico. E o capim vai crescer aqui. Já está crescendo, em todo lugar."


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