São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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ENSAIO

ADAM CENTURY

Programa de namoro chinês não perdoa

Han Yuanjiang
Na China, a ênfase sobre o materialismo exige que os participantes em programas de namoro divulguem a situação de suas contas bancárias. Aqueles que são vistos como tendo poucos recursos, como o autor do texto em destaque à esquerda, saem dos programas como perdedores solitários Using foreigners to show discord with the outside world.
CHANGSHA, China - Com um pressentimento de humilhação iminente, enfrentei a câmera e mergulhei no mundo dos programas de namoro na TV chinesa.
O constrangimento que enfrentei no programa "Day Day Up" (dia dia para cima), visto por mais de 100 milhões, não deveria ter sido surpresa. Como jornalista freelancer em Pequim, já acompanhei os formatos humilhantes de programas como esse e sua ênfase sobre o materialismo. No programa "If You Are the One" (se você for aquela que procuro), um pretendente perguntou a uma das concorrentes se ela toparia andar no banco de trás da sua bicicleta. A resposta da moça foi "prefiro chorar no banco de trás de uma BMW".
A comercialização da mídia vem tornando a TV chinesa provocante, mesmo para os padrões ocidentais. Emissoras via satélite como a Hunan TV, criadora de "Day Day Up" -e a emissora que tem a segunda maior audiência- enfrentam censura menos rígida do que a da China Central Television, conhecida como CCTV.
Os programas de namoro ainda ficam fora da CCTV, mas são populares nos canais das províncias, onde "If You Are the One" vem sendo um dos mais assistidos. Nesse programa, 24 mulheres enfrentam uma sucessão de solteiros que são submetidos a interrogatórios intrusivos, nos quais seus extratos bancários são divulgados.
O episódio de "Day Day Up" do qual participei começou com sete homens estrangeiros tendo que escolher entre sete mulheres chinesas, baseados nas curvas e nos sorrisos delas. A mulher menos escolhida declarou em tom defensivo: "Homens estrangeiros não são meus legumes".
Os homens receberam cartazes com slogans que supostamente os caracterizavam. Eu era o "americano reluzente", e havia o "introvertido" sul-coreano e o "gentleman" britânico.
Juntos, abarcávamos sete países e quatro continentes, e o objetivo era destacar a incompatibilidade entre os estrangeiros e as chinesas.
"Estrangeiros são usados na televisão chinesa para chamar a atenção para a incompatibilidade cultural entre a China e o mundo externo", disse Miao Di, professor de artes da televisão em Pequim.
Esse subtexto ficou mais claro depois de o programa ser editado. Quando os apresentadores perguntaram de que tipo de mulher eu gostava, destaquei a personalidade independente e o gosto literário. Isso foi resumido na frase "gosto de mulheres cheinhas", fazendo com que minha resposta passasse a impressão de que todos os americanos compartilham a preferência por mulheres rechonchudas.
Eu sabia que minhas chances eram ínfimas por não ter bens. No fim do programa, fui rejeitado em meio a gargalhadas da plateia.
Desde então, porém, Yu Wanlin, uma das participantes, ficou minha amiga no QQ, o maior programa chinês de mensagens instantâneas. Quem sabe ainda haja esperança para mim.


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