São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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LENTE

Um Estado moral não requer religião

Depois de oito anos de uma Presidência americana baseada na religião, a simples menção a "não-crentes" no discurso de posse do presidente Barack Obama assinalou uma diferença nítida em relação a seu antecessor.
Afinal, George W. Bush chegou ao poder com a ajuda de um bloco motivado de cristãos evangélicos. Muitas de suas decisões, incluindo a invasão do Iraque e as restrições impostas às pesquisas com células-tronco, foram influenciadas por sua fé e por conselhos de líderes religiosos.
Mas a penetração da religião na vida e na política norte-americanas é muito mais profunda do que só a Presidência de Bush. Ela começou com os fundadores do país, embora historiadores observem que alguns deles não eram frequentadores regulares da igreja. O próprio Obama, durante sua campanha, professou sua fé cristã. E o presidente Ronald Reagan (1981-89) chegou a dizer que "o fundamento da moralidade é a religião; religião e política estão necessariamente vinculadas".
O que dizer, então, dos "não-crentes" de Obama? Seriam imorais?
Não na Escandinávia.
Os fundadores dos EUA foram os pioneiros na separação entre Igreja e Estado. Mas a Dinamarca e a Suécia parecem ter aperfeiçoado essa separação. O sociólogo americano Phil Zuckerman, que estudou a queda da influência da religião nesses dois países, disse ao "New York Times" que Dinamarca e Suécia contradizem a suposição de que, sem fé, a sociedade se torna "repleta de imoralidade, devassidão e mal". Em lugar disso, Zuckerman encontrou "uma sociedade nitidamente não religiosa e que, acima de tudo, é moral, estável e profundamente benevolente".
E, enquanto políticos americanos frequentemente fazem menção a Deus ou citam trechos da Bíblia, um pastor dinamarquês disse a Zuckerman que "a palavra 'Deus' é uma das mais embaraçosas que se pode proferir".
Do outro lado do mar do Norte, no Reino Unido, não-crentes se manifestam com força igual. Como reportou o "New York Times", ônibus londrinos andaram com anúncios dizendo: "É provável que Deus não exista. Então pare de se preocupar e comece a curtir a vida." Apoiada pelo cientista Richard Dawkins, autor de "Deus - Um Delírio", a chamada "campanha ateia em ônibus" foi elogiada pela Igreja Metodista, por estimular a discussão. Mas o fato é que, como escreveu o "Times", o Reino Unido é "profundamente secular", como a Escandinávia.
Mesmo nos EUA, país às vezes satirizado por seus políticos que discursam como pregadores e seus eleitores tementes a Deus, a situação real tem suas nuances. Segundo uma pesquisa conduzida no ano passado pelo Fórum Pew Sobre Religião e Vida Pública, quase metade dos norte-americanos disseram acreditar que os ateus podem ir ao céu ("para onde, sem dúvida, irão arrastados, gritando e se debatendo", segundo escreveu Charles M. Blow no "New York Times").
Enquanto isso, um movimento nascente de não-crentes quer combater a influência política da direita religiosa americana. A Coalizão da América Secular esperar atrair milhões de eleitores, segundo sua diretora, Lori Lipman Brown. Por enquanto, porém, a coalizão é uma equipe de duas pessoas. Talvez os ateus tenham um pouco de medo de congregações.


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