São Paulo, segunda-feira, 16 de março de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

O prazer de ser interrompido

BENEDICT CAREY
ENSAIO


Gostou do programa? Pode ser por causa dos intervalos

As pessoas comem chocolates aos pedaços, saboreando. Espaçam ao longo do dia os seus cigarros, suas fofocas, suas ligações para os amigos. Gostam dos intervalos nos esportes e praticam suas religiões com jejuns e períodos de autonegação, como a Quaresma. Então por que as pessoas consideram as interrupções ruins?
Talvez não sejam.
Em dois novos estudos, pesquisadores do comportamento de consumidores argumentam que interromper uma experiência, seja boa ou ruim, pode torná-la significativamente mais intensa.
"A conclusão é que os comerciais tornam os programas de TV mais agradáveis de assistir -mesmo os maus comerciais", disse Leif Nelson, professor-assistente de marketing da Universidade da Califórnia em San Diego e coautor de uma das novas pesquisas. "Quando digo isso às pessoas, elas me encaram com descrença. As descobertas são simultaneamente implausíveis e empiricamente coerentes."
Ao longo dos anos, pesquisas mostram que as pessoas exibem uma espécie de equilíbrio: após uma perda (digamos, um divórcio) ou um ganho (uma promoção), elas costumam retroagir mais ou menos ao mesmo nível de felicidade de antes. Os humanos se habituam rapidamente à dificuldade ou à prosperidade, à guerra e à paz.
Mas mesmo prazeres mais modestos -uma xícara de café matinal, uma caminhada vespertina, uma dose de uísque antes de deitar- parecem seguir uma lei de recompensas cada vez menores. "O álcool é como o amor", diz um bebedor habitual em "O Longo Adeus", de Raymond Chandler. "O primeiro beijo é mágico. O segundo é íntimo. O terceiro é rotina."
Para Sonja Lyubomirsky, psicóloga da Universidade da Califórnia em Riverside e autora do livro "A Ciência da Felicidade", isso desperta uma questão provocadora: "Se você se adapta tão rapidamente às atividades prazerosas, e o prazer diminui, como você sustenta um nível de felicidade ou mesmo sobe na escala?".
Um jeito, sugerem as pesquisas, é favorecer novas experiências em detrimento dos bens materiais. O cheiro de um carro novo pode deixar a pessoa feliz por meses. Mas a lembrança de uma viagem pelo interior australiano parece gerar um amparo psicológico mais duradouro, dizem alguns estudiosos.
A nova pesquisa com consumidores analisou dinâmicas similares momento a momento. Em uma experiência, Nelson, junto com Tom Meyvis e Jeff Galak, da Universidade de Nova York, colocou 87 universitários para assistir a um episódio da série cômica "Taxi". Cerca de metade o viu como foi ao ar, com comerciais. A outra metade assistiu ao programa sem interrupções.
Em seguida, os dois grupos deram notas para o programa, usando uma escala de 11 pontos e comparando-o com outra série, "Happy Days", que todos conheciam.
Quem viu "Taxi" sem intervalos preferiu "Happy Days"; quem viu a versão com comerciais preferiu "Taxi" por uma margem significativa.
Em experiências similares, os resultados foram os mesmos. O efeito não se limitava à TV. Interromper uma massagem aumentava o prazer das pessoas, segundo uma pesquisa. O contrário também valia para experiências irritantes, como ouvir o barulho de um aspirador de pó: a pausa só fazia a situação parecer pior.
"A razão para isso, argumentamos, é que tendemos a nos adaptar a uma variedade de experiências conforme elas acontecem", disse Nelson. "Ouvir uma música, assistir a um programa de TV, fazer uma massagem: tudo isso começa muito agradável, e em poucos minutos nos acostumamos. As interrupções quebram isso."
Mas nem todas as atividades agradáveis melhoram com as interrupções. Nelson e seus colegas descobriram que as pessoas não costumam se habituar a programas ou histórias particularmente exigentes e que as interrupções podem fazer perder o fio da meada.
Porém, os prazeres mais banais da vida podem ter mais em comum com passar uma manhã na água quente da banheira do hotel. Maravilhoso, ainda mais se você puder dar uma saidinha e mergulhar na piscina a cada poucos minutos.


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