São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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Triagem para salvar ruínas da Babilônia

Por STEVEN LEE MYERS
JIMIJMA, Iraque - Os danos sofridos pelas ruínas da Babilônia antiga são visíveis desde um pequeno monte próximo à Torre de Babel, cuja importância bíblica é difícil de visualizar a partir do que restou dela.
No horizonte se estendem torres de vigia, cercas de arame farpado espiralado e barreiras de entulho; roças e casas de concreto deste povoado e de outros, e o enorme palácio erguido por Saddam Hussein nos anos 1980 em cima da cidade sobre a qual reinou o rei Nabucodonosor 2°.
Também se divisa outra coisa: montículos de terra que ocultam o que ainda resta para ser descoberto da cidade, descrita pelo profeta Jeremias como "um cálice dourado nas mãos do Senhor, um cálice que deixou a terra inteira embriagada".
Em uma das muitas visitas que fez às ruínas, o conservacionista Jeff Allen, do Fundo Mundial de Monumentos, disse: "Tudo isso ainda falta ser escavado. Este sítio possui grande potencial. Seria possível escavar o plano de ruas da cidade inteira".
Essa possibilidade está a anos de distância, em vista da realidade do Iraque de hoje. Mas hoje, pela primeira vez desde a invasão americana de 2003, arqueólogos e preservacionistas começaram mais uma vez a trabalhar para proteger e restaurar partes da Babilônia e outras ruínas da Mesopotâmia antiga.
Atuando em cooperação com o Conselho Estatal de Antiguidades e Patrimônio Histórico do Iraque, o Fundo Mundial de Monumentos redigiu um plano para combater qualquer deterioração adicional das ruínas babilônicas de tijolos de argila e reverter alguns dos efeitos do tempo e das recriações propagandísticas e arqueologicamente falsas perpetradas por Saddam.
O Departamento de Estado americano anunciou em novembro uma doação de US$ 2 milhões para o início das obras de preservação das ruínas. Entre elas estão os alicerces do Portão de Ishtar, construído no século 6 a.C.. O objetivo é preparar o sítio e outras ruínas para cientistas, acadêmicos e turistas.
O projeto na Babilônia é o mais ambicioso no Iraque, reflexo da fama da cidade na antiguidade e de sua importância para o patrimônio cultural e político moderno do país. "Este é um dos grandes projetos que temos, e é o primeiro", explicou Qais Hussein Rashid, diretor do Conselho Estatal de Antiguidades e Patrimônio Histórico. "Queremos que sirva de modelo."
A equipe americana reformou um museu moderno no sítio, além de um modelo do Portão de Ishtar. O museu contém uma das relíquias mais valiosas do sítio: um alto-relevo em tijolo esmaltado de um leão igual aos que se enfileiravam de cada lado da entrada cerimonial da cidade.
A infiltração de água nos tijolos de argila, agravada por uma passarela moderna de concreto e por escavações realizadas há mais de um século, já resultou no desgaste de alguns dos baixos-relevos de tijolo de 2.500 anos atrás na base do Portão de Ishtar.
"Eles cuidavam apenas da parte interna, porque havia líderes e dignitários que vinham visitá-lo", disse Mahmoud Bendakir, arquiteto que trabalha com o fundo, sobre os responsáveis pela conservação do sítio durante a era de Saddam. "A parte externa está um desastre."
O destino da Babilônia está sendo disputado por líderes iraquianos. Autoridades do setor de antiguidades estão em conflito com autoridades locais sobre quando abrir o sítio para visitantes e como usá-lo para turismo -que, por enquanto, ainda é mais uma meta que uma realidade.
Outra ameaça vem do avanço de construções dentro dos limites das muralhas antigas da cidade, que cercam um perímetro de quase 7,8 quilômetros quadrados. O projeto do fundo desenhou o traçado das muralhas antigas em um mapa, suscitando receios entre os iraquianos que hoje vivem no local. Eles temem que a preservação das ruínas os obrigue a deixar suas casas, como aconteceu quando Saddam expulsou os moradores de um vilarejo para erguer seu palácio.
Jeff Allen, que supervisiona o trabalho do fundo, disse que a preservação da Babilônia vai exigir colaboração entre autoridades concorrentes, algo que, em meio à instabilidade política do Iraque, é extremamente raro.
"O que está em jogo aqui não é apenas a arqueologia", disse. "São oportunidades econômicas e viabilidade para a população local. As pessoas precisam enxergar algo vindo deste sítio. Isso é possível, e é possível ao mesmo tempo preservar a integridade do sítio."


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