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TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Grécia vive uma revolução sem "mocinhos"
Os gregos têm se manifestado nas ruas há vários anos, com jovens mascarados
aproveitando todas as oportunidades para atirar bombas incendiárias contra a polícia e
os bancos. É um ritual teatral de grande efeito na TV (e que custa milhões de dólares em
prejuízos e perda de turismo), mas que, surpreendentemente, não vinha derramado
sangue.
Parecia haver um acordo tácito entre os jovens encapuzados e os esquadrões
antitumultos: os jovens brincavam de revolução, e a polícia fingia combatê-los. Mas a
morte de três funcionários de bancos em apenas um ataque com uma bomba incendiária,
durante uma manifestação no início deste mês, mostrou que a Grécia entrou em uma
nova era perigosa.
A raiva pública contra as duras medidas de austeridade se transformou em fúria nas ruas
e deu aos grupos antiestablishment violentos uma verdadeira causa.
Hoje os gregos enfrentam uma opção entre tentar colocar seu país no caminho da
recuperação o mais rapidamente possível, ou permitir que a cultura da reclamação, do
esforço mínimo e do protesto violento os aprofunde na dívida e no desespero.
O acordo com o FMI e a União Europeia dá à Grécia um empréstimo sem precedentes
de 110 bilhões de euros. Em troca, o FMI e os parceiros europeus exigem da Grécia
reformas imediatas tão duras que correm o risco de radicalizar uma grande parte da
população.
Os mesmos sindicatos cuja avareza insensata tornou refém qualquer semelhança de um
sistema econômico racional hoje exigem que seus benefícios insustentáveis sejam
mantidos.
Eles parecem não perceber a ironia de alegar que os trabalhadores estão pagando pela
gastança de outros. Os sindicatos se voltaram contra os dois partidos políticos que
governaram a Grécia nas últimas décadas, culpando o Parlamento por todos os
problemas do país.
Consequentemente, até os manifestantes, principalmente da classe média, adotaram um
slogan anarquista como grito de guerra: "Queimem tudo! O Parlamento das prostitutas!"
foi o coro de funcionários públicos, profissionais liberais, desempregados, aposentados
e jovens que se reuniram diante do edifício onde o governo estava ratificando o plano de
socorro no último dia 5.
Em troca de medidas para evitar a falência, os gregos terão de mudar o modo como
trabalham e vivem, quando se aposentam e como veem a si próprios e ao mundo. Eles
viram sua crise da dívida evoluir para um vírus que aterrorizou toda a UE e abalou
mercados do mundo todo. Eles viram os alemães e outros europeus resmungarem por
ter de ajudá-los. Essa é a maior inversão de fortuna que um país pode sofrer sem perder
uma guerra.
É uma revolução sem "mocinhos". Os mesmos políticos que levaram a Grécia ao
atoleiro deverão solucionar o problema. Depois de gerações de líderes que atenderam a
todos os grupos de interesses, comprando seu apoio com fundos na maior parte
emprestados, coube à atual safra de políticos convencer a população a aceitar mudanças
dolorosas. Neste momento, poucos concordam. O funcionalismo vai perder cerca de
20% de sua renda, enquanto os impostos serão aumentados. As aposentadorias e os
benefícios sociais estão sendo cortados.
O premiê George Papandreou tem lutado para vender as medidas de austeridade,
argumentando que eram a única maneira de evitar um calote. Mas autoridades
graduadas estão claramente desconfortáveis com as reformas que nenhum partido ousou
empreender nas últimas quatro décadas. Essa falta de fé é compartilhada pelo público, e
muitos temem que, mesmo fazendo sacrifícios, a Grécia ainda possa ir à falência.
A maioria dos gregos não tem nada a ver com aqueles que fraudaram seus impostos,
abusaram dos subsídios europeus, aceitaram propinas, se aposentaram cedo e deixaram
seus compatriotas para pagar as contas. Muitos estão irritados não só com seus políticos,
mas com banqueiros, a mídia, autoridades fiscais, juízes e a polícia.
Agora, a ajuda estrangeira e as reformas ligadas a ela deram aos gregos mais uma
chance. Teremos de combater as forças da inércia e da corrupção que nos trouxeram até
aqui -mas, pelo menos, poderemos lutar mais um dia.
Nikos Konstandaras é editor-executivo do jornal grego "Kathimerini"
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