São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Grécia vive uma revolução sem "mocinhos"

Os gregos têm se manifestado nas ruas há vários anos, com jovens mascarados aproveitando todas as oportunidades para atirar bombas incendiárias contra a polícia e os bancos. É um ritual teatral de grande efeito na TV (e que custa milhões de dólares em prejuízos e perda de turismo), mas que, surpreendentemente, não vinha derramado sangue.
Parecia haver um acordo tácito entre os jovens encapuzados e os esquadrões antitumultos: os jovens brincavam de revolução, e a polícia fingia combatê-los. Mas a morte de três funcionários de bancos em apenas um ataque com uma bomba incendiária, durante uma manifestação no início deste mês, mostrou que a Grécia entrou em uma nova era perigosa.
A raiva pública contra as duras medidas de austeridade se transformou em fúria nas ruas e deu aos grupos antiestablishment violentos uma verdadeira causa.
Hoje os gregos enfrentam uma opção entre tentar colocar seu país no caminho da recuperação o mais rapidamente possível, ou permitir que a cultura da reclamação, do esforço mínimo e do protesto violento os aprofunde na dívida e no desespero.
O acordo com o FMI e a União Europeia dá à Grécia um empréstimo sem precedentes de 110 bilhões de euros. Em troca, o FMI e os parceiros europeus exigem da Grécia reformas imediatas tão duras que correm o risco de radicalizar uma grande parte da população.
Os mesmos sindicatos cuja avareza insensata tornou refém qualquer semelhança de um sistema econômico racional hoje exigem que seus benefícios insustentáveis sejam mantidos.
Eles parecem não perceber a ironia de alegar que os trabalhadores estão pagando pela gastança de outros. Os sindicatos se voltaram contra os dois partidos políticos que governaram a Grécia nas últimas décadas, culpando o Parlamento por todos os problemas do país.
Consequentemente, até os manifestantes, principalmente da classe média, adotaram um slogan anarquista como grito de guerra: "Queimem tudo! O Parlamento das prostitutas!"
foi o coro de funcionários públicos, profissionais liberais, desempregados, aposentados e jovens que se reuniram diante do edifício onde o governo estava ratificando o plano de socorro no último dia 5.
Em troca de medidas para evitar a falência, os gregos terão de mudar o modo como trabalham e vivem, quando se aposentam e como veem a si próprios e ao mundo. Eles viram sua crise da dívida evoluir para um vírus que aterrorizou toda a UE e abalou mercados do mundo todo. Eles viram os alemães e outros europeus resmungarem por ter de ajudá-los. Essa é a maior inversão de fortuna que um país pode sofrer sem perder uma guerra.
É uma revolução sem "mocinhos". Os mesmos políticos que levaram a Grécia ao atoleiro deverão solucionar o problema. Depois de gerações de líderes que atenderam a todos os grupos de interesses, comprando seu apoio com fundos na maior parte emprestados, coube à atual safra de políticos convencer a população a aceitar mudanças dolorosas. Neste momento, poucos concordam. O funcionalismo vai perder cerca de 20% de sua renda, enquanto os impostos serão aumentados. As aposentadorias e os benefícios sociais estão sendo cortados.
O premiê George Papandreou tem lutado para vender as medidas de austeridade, argumentando que eram a única maneira de evitar um calote. Mas autoridades graduadas estão claramente desconfortáveis com as reformas que nenhum partido ousou empreender nas últimas quatro décadas. Essa falta de fé é compartilhada pelo público, e muitos temem que, mesmo fazendo sacrifícios, a Grécia ainda possa ir à falência.
A maioria dos gregos não tem nada a ver com aqueles que fraudaram seus impostos, abusaram dos subsídios europeus, aceitaram propinas, se aposentaram cedo e deixaram seus compatriotas para pagar as contas. Muitos estão irritados não só com seus políticos, mas com banqueiros, a mídia, autoridades fiscais, juízes e a polícia.
Agora, a ajuda estrangeira e as reformas ligadas a ela deram aos gregos mais uma chance. Teremos de combater as forças da inércia e da corrupção que nos trouxeram até aqui -mas, pelo menos, poderemos lutar mais um dia.


Nikos Konstandaras é editor-executivo do jornal grego "Kathimerini"



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