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Escola muda a forma como Qatar vê os cegos
Por MICHAEL SLACKMAN
DOHA, Qatar - Ela teria muitos motivos para ser amarga. Ficou cega na quinta série,
de repente. Num dia ela enxergava; no outro, teve um súbito descolamento da retina. E,
depois, veio uma vida de escuridão.
Ela foi levada rapidamente para Londres para ser submetida a procedimentos cirúrgicos,
que falharam três vezes. Voltou para casa em um país que virtualmente não oferecia
serviços para cegos.
Mas Hayat Khalil Hassan Nazar Heji talvez seja a cidadã mais grata de Qatar. Ela é uma
mulher cega em um país muçulmano conservador cujo governo lhe pagou para ir aos
Estados Unidos aprender inglês, tirar um diploma de doutorado e voltar para casa para
dirigir o Instituto Al Noor para Deficientes Visuais. "Se você confia em Deus e tem
uma vontade forte, pode superar qualquer desafio", ela disse. "Não há nada difícil
demais na vida."
Heji, 34, é uma mulher pequena, com mãos delicadas, um sorriso gentil e olhos
nublados que nada revelam de sua determinação interior. Os médicos nunca
conseguiram dizer exatamente o que causou sua cegueira, mas ela compreendeu desde o
início que nunca recuperaria a visão.
Por isso, como não podia ver, dedicou sua vida a moldar como ela, e depois outros
cegos, são vistos. "As pessoas são diferentes, têm ideias diferentes, e você pode mudar
sua maneira de pensar sobre você", disse. "No instituto tentamos incutir isso em nossos
alunos, além das capacidades acadêmicas."
Há 430 crianças no Instituto Al Noor, desde a pré-escola até a 6a série. Os alunos mais
velhos, se capazes, são encaminhados para o sistema educacional regular. A escola fica
em um pátio murado que parece velho e escondido da estrada principal em um bairro
em construção.
Mas lá dentro é alegre. Os corredores ecoam o som das bengalas tateando e de risadas.
No entanto, a escola também é um lembrete dos desafios especiais enfrentados no
Qatar. Ainda é costume no país os jovens se casarem com parentes próximos, incluindo
primos-irmãos. As duas principais causas de cegueira no Qatar são o nascimento
prematuro e distúrbios genéticos, transmitidos pelas famílias.
O resultado, segundo Heji, é que muitas famílias têm diversas crianças cegas. "Existem
muitas famílias assim aqui."
Heji não quis discutir a questão em profundidade, em parte por respeito ao costume
local, mas também, ao que parece, porque tem clara consciência de que o casamento
entre primos-irmãos é considerado tabu na maior parte do mundo fora da África e do
Oriente Médio.
Existem outros desafios especiais para as pessoas cegas em Doha. Em termos práticos,
há muito poucos lugares para caminhar, porque a cidade foi feita para se trafegar de
carro. Culturalmente, diz Heji, não se permitem cães dentro de casa, por isso não há
oportunidade para cães-guias.
Mas ela disse que aprendeu muito cedo que os problemas quase sempre têm soluções.
Por isso, faz seus professores levarem os alunos ao shopping, ao aeroporto ou a um
centro de convenções para que possam aprender a controlar seu espaço. "Nós incutimos
independência", ela disse.
Heji não se considera um modelo e, embora evidentemente se orgulhe de suas
conquistas, ela insiste em que seu sucesso e sua independência são um tributo ao apoio
de outros, e não a uma motivação especial.
"Por causa do apoio que recebi durante minha infância, e o apoio que ainda recebo hoje
de minha família e meu país, quero ajudar outras pessoas da mesma maneira que as
pessoas sempre me ajudaram", ela escreveu em um ensaio pessoal sobre sua vida.
"Sempre fui grata a minha família, minhas escolas, meus professores, meus instrutores e
meu país."
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