São Paulo, segunda-feira, 17 de agosto de 2009

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Intuição é vantagem na batalha

Agindo por instinto, o sargento Tierney ordenou que sua tropa recuasse pouco antes de uma explosão. A psicóloga Jennifer Murphy está testando soldados que talvez tenham instintos excepcionais

Por BENEDICT CAREY

A visão não era incomum, pelo menos não em Mosul, no Iraque: um carro estacionado sobre a calçada, com os vidros fechados. Dois meninos, de talvez cinco anos, espiaram para fora pela janela traseira, os rostos se inclinando juntos, como se fossem contar um segredo.
O soldado que patrulhava perto do carro parou. Devia estar muito quente lá dentro. "Permissão para abordar, senhor, para lhes dar um pouco de água", o soldado disse ao sargento de primeira classe Edward Tierney, que liderava a patrulha.
"Eu disse não -não", contou o sargento Tierney em uma entrevista no Afeganistão. Ele explicou que sentiu a necessidade de recuar sem saber por quê: "Meu corpo de repente ficou frio; você sabe, aquela sensação de perigo".
Os militares americanos gastaram bilhões em equipamentos para detectar e destruir o que eles chamam de dispositivos explosivos improvisados, ou IED na sigla em inglês -as bombas de beira da estrada que se revelaram a maior ameaça no Iraque e agora no Afeganistão.
Mas os equipamentos de alta tecnologia, embora ajudem a reduzir as baixas, continuam sendo um complemento para o mais sensível sistema de detecção que existe -o cérebro humano. Tropas em terra, usando apenas seus sentidos e sua experiência, são responsáveis por frustrar muitos ataques de IED e, como o sargento Tierney, geralmente mencionam uma sensação no estômago ou uma premonição como pista.
Desde 2007, o pesquisador do Exército dos EUA Steven Burnett supervisionou um estudo de percepção humana e detecção de bombas com cerca de 800 militares, homens e mulheres. O estudo complementa um crescente corpo de trabalho que sugere que a velocidade com que o cérebro lê e interpreta as sensações do próprio corpo e a linguagem corporal dos outros é central para evitar ameaças iminentes.
"Há pouco tempo, as pessoas pensavam que as emoções tinham pouco a ver com a tomada de decisões racional, ou que a atrapalhavam", disse Antonio Damasio, diretor do Instituto do Cérebro e da Criatividade na Universidade do Sul da Califórnia. "Hoje, essa posição se inverteu. Compreendemos as emoções como programas de ação prática que funcionam para solucionar um problema, muitas vezes antes de termos consciência dele. Esses processos estão constantemente em ação em pilotos, líderes de expedições, pais, todo o mundo."
Os homens e as mulheres que se saíram melhor no estudo de detecção de IEDs do Exército tinham o tipo de conhecimento obtido por meio da experiência, segundo análise preliminar dos resultados; mas muitos também tinham uma excelente percepção de profundidade e uma aguda capacidade de manter um foco intenso durante longos períodos. A capacidade de identificar formas irregulares disfarçadas em fundos complexos -que alguns chamam de detecção de anomalias- também previa o desempenho em algumas simulações de bombas.
"Algumas dessas coisas não podem ser treinadas, evidentemente", disse a psicóloga Jennifer Murphy, do Instituto de Pesquisa do Exército e principal autora do estudo de IED. "Mas outras podem. Alguns combatentes tornam-se sensíveis a pequenas mudanças no entorno. Eles veem a mesma estrada todos os dias e notam coisas sutis, como uma pedra que não estava ali na véspera."
Um soldado pode ter visão de raio-X e não ver a maioria dos IEDs, porém. Veteranos dizem que os mais sensíveis à presença de bombas não apenas percebem pequenos detalhes como também têm a capacidade de recuar e observar a cena como um todo.
"Certa tarde, lembro que entrei em uma rua em Bagdá que conhecíamos muito bem, e não havia ninguém fora das casas -muito estranho naquela hora do dia", disse o sargento Don Gomez.
Havia lixo amontoado em um lugar da rua onde o sargento e outros motoristas do comboio não tinham visto antes. "Chamamos uma equipe de explosivos e, é claro, eles encontraram uma bomba e a detonaram", disse.
Neurocientistas discutem as condições em que o sentimento precede a consciência, mas as descobertas revelam que algumas pessoas aparentemente têm uma sensibilidade rara.
Naquela manhã em Mosul, o sargento Tierney deu ordem para recuar. O soldado que havia pedido para se aproximar do carro teve apenas o tempo suficiente para virar-se antes que a bomba explodisse. Estilhaços se cravaram na lateral de seu rosto; a onda de choque atirou os outros ao chão. Os dois meninos quase certamente morreram na explosão, ele disse.
Desde então Tierney repassou os acontecimentos em sua cabeça, procurando os detalhes que o alertaram. "Não consigo identificar nada", ele disse. "Apenas tive aquela sensação de quando você sai de casa e sabe que esqueceu alguma coisa."
Ele acrescentou: "Só fiquei feliz porque nenhum dos meus homens foi morto ou gravemente ferido".


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