São Paulo, segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

O experimento chinês Pequim

Não há nada parecido em nenhum outro lugar, nada que se assemelhe a essa tentativa incansável de fazer cerca de 20% da humanidade avançar rapidamente para a era moderna -esse extraordinário experimento chinês.
Depois de uma semana na China, enquanto as fantásticas estatísticas de crescimento aumentam e as fantásticas imagens do passado são derrubadas para abrir caminho para o futuro, não há como confundir a sensação de estar parado no vértice do drama do século 21. Os EUA parecem perturbados, emaranhados em guerras e na ansiedade que as acompanha; a Europa parece imóvel e periférica.
Aqui, só o futuro conta. O passado foi suprimido pelo Partido Comunista com algumas ligeiras admissões dos piores crimes. Em seu lugar há desenvolvimento e mais desenvolvimento, a chave da estabilidade social, com o objetivo de criar uma sociedade moderna até 2020. Depois de três décadas de um crescimento de quase dois dígitos, quem dirá que esse objetivo é inatingível?
Eu disse "experimento" porque aqui a combinação de capitalismo de montanha-russa e regime autoritário tem uma escala sem precedentes, e é claro que surge a questão de se o dinheiro pode satisfazer uma sociedade a ponto de suprimir a necessidade humana de opinar sobre quem dirige as coisas.
Até agora a liderança chinesa mostrou-se impiedosa quando necessário -a repressão à rebelião estudantil na Praça Tiananmen em 1989- e, desde então, extraordinariamente adepta de levar o país adiante em um ritmo que refreia a insatisfação. Como me disse Russell Moses, analista político baseado em Pequim, "aqui há uma espécie de brilhantismo no modo como eles fazem as coisas".
Assim, a China, com um vasto pacote de estímulos que ajudou a superar os EUA como maior mercado de automóveis do mundo, navegou pela recessão de 2008. Incitada pela revolta pública contra a poluição da água e os dejetos tóxicos, agora está se movendo rapidamente para abordar as questões ambientais, satisfazendo a exigência da população de informação sobre poluentes e adiantando-se nas indústrias de aquecimento solar e carros elétricos. Preocupada com as crescentes disparidades de renda, a liderança chinesa começa a introduzir um pouco de serviço social nas Províncias.
Para um partido com cerca de 80 milhões de membros envolvido na tentativa de empurrar para a frente uma sociedade de 1,3 bilhão de pessoas, a maioria delas ainda ganhando a vida no campo, existe aqui uma notável agilidade.
A liderança sabe que a estabilidade, sua palavra mais valorizada, significa manter-se um passo à frente. Mas ainda há insatisfação. A raiva contra a corrupção generalizada está em toda parte, e é difícil para mim ver como atacar isso enquanto não houver um contrapoder significativo em um Estado de partido único.
Também há raiva contra as expropriações sumárias que acompanham os gigantescos projetos de infraestrutura na corrida para a modernidade: trens de alta velocidade, rodovias, sistemas de metrô, represas, usinas nucleares e assim por diante.
A própria concentração de poder que permite que a China promova esses projetos em velocidade espantosa também provoca um profundo ressentimento contra a ausência de um recurso legal pela perda de propriedade.
A raiva também está crescendo conforme a educação se dissemina, contra as várias tentativas de controlar, a internet bloqueando sites como Facebook e suprimindo blogs. A liberdade de expressão não faz parte do socialismo com características chinesas. O brilhantismo pode conter a raiva?
Se eu fosse apostar, diria que sim, porque as autoridades parecem saber que não podem conter o fluxo de insatisfação, só podem esperar dirigi-lo.
Qualquer pessoa com menos de 25 anos deveria aprender mandarim. O futuro, seja estável ou turbulento, está aqui, e o destino do século 21 será determinado de maneira significativa por esse fantástico experimento chinês.

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