São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2011

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Tradição de bar antigo submetida a uma faxina

Por DAN BARRY

Numa manhã de domingo, antes de as portas velhas do bar McSorley's Old Ale House serem abertas mais uma vez para derramar seu aroma de cerveja e serragem sobre a calçada do bairro de East Village, em Nova York, o proprietário da casa encarou uma tarefa triste.
Matthew Maher, 70, subiu sobre uma escada e tirou as duas dúzias de ossos da sorte recobertos de pó que estavam penduradas em velho lampião de gás. Ele tirou as nuvens de poeira acinzentada. "Com relutância", foi como Maher diz que realizou a tarefa. "Aqueles ossos eram as últimas coisas que eu queria tocar ou ver ser tocadas."
Mas tocá-los era preciso. Um fiscal de saúde da prefeitura fez uma visita recente ao McSorley's, um bar que existe desde os anos 1850 -e cuja aparência não nega. Para muitas pessoas, é exatamente nisso que consiste o charme do lugar. Mas o charme é algo que não seduz alguns poucos frequentadores. Esses podem não entender, por exemplo, o significado atribuído aos ossos da sorte recobertos de poeira pendurados sobre o bar.
O inimitável cronista de Nova York Joseph Mitchell escreveu que o fundador do bar, John McSorley, simplesmente, gostava de guardar coisas, entre elas as fúrculas de perus consumidos em feriados. Mas Maher, que trabalha no McSorley's desde 1964 -ele é anterior a alguns dos objetos de memorabília exibidos na casa- insiste que os ossos foram pendurados sobre o lampião por soldados, conhecidos como "doughboys", como símbolos de seu desejo de retornar em segurança da Grande Guerra. Os ossos passaram a simbolizar os soldados que nunca voltaram.
Mesmo que não passe de uma história enfeitada pela passagem do tempo e da cerveja, ela vem ressoando há gerações. Maher conta que, 30 anos atrás, discutiu com um fiscal de saúde que exigiu levar um dos ossos da sorte como prova de alguma coisa. A discussão resultou em briga, a polícia chegou e, bem, diz Maher, "ficou tudo por isso mesmo".
Mas os tempos mudaram. A velha e a nova Nova York continuam em conflito, e a velha Nova York está perdendo a disputa. Por exemplo, os gatos que frequentam o McSorley's fazem parte do estabelecimento desde os tempos de Lincoln. Recentemente, a prefeitura decretou: nada de gatos. Resultado: Minnie, frequentadora de longa data do bar, passou a ser barrada.
Mais recentemente, um inspetor de saúde da prefeitura deu classificação A ao estabelecimento, mas recomendou fortemente que fossem removidos os ossos da sorte pendurados sobre o balcão -ou que a poeira que os recobria fosse removida. Maher interpretou o parecer como um leve sinal de esperança: pelo menos, os ossos poderiam ficar.
Assim, naquele domingo triste, ele subiu sobre a escada, tirou a poeira dos ossos e os pendurou de volta em seus lugares com o mesmo cuidado com que se tratariam enfeites de Natal que fossem heranças familiares. Ele tratou a própria poeira com o mesmo cuidado, colocando-a em um recipiente e levando-a para sua casa em Queens -porque, no contexto do McSorley's, aquela poeira era sagrada.


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