São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

A caçada científica a uma obra-prima


Parafernália que o próprio Da Vinci teria adorado

Por JOHN TIERNEY

FLORENÇA, Itália — Quem, como Maurizio Seracini, acredita que a maior pintura de Leonardo da Vinci está escondida dentro de uma parede, na prefeitura de Florença, tem duas técnicas essenciais para achá-las.
Primeiro, concentrar-se na parafernália científica. Depois de localizar o que parecia ser uma pista para a pintura de Da Vinci, deixada por outro artista do século 16, Seracini comandou uma equipe internacional que mapeou com laser, radar, luz ultravioleta e câmeras infravermelhas cada milímetro da parede e da sala ao seu redor. Uma vez identificado o potencial esconderijo, eles desenvolveram dispositivos para detectar a pintura disparando nêutrons contra a parede.
“Leonardo adoraria ver a ciência sendo usada para procurar sua obra-prima”, disse Seracini, olhando a parede onde ele espera que a pintura possa ser achada dentro de cerca de um ano e em seguida recuperada, intacta.
Seracini estava no grande espaço cerimonial do Palazzo Vecchio, o Salão dos 500, epicentro da política renascentista na época em que Da Vinci e Michelangelo foram encarregados de adorná-lo com murais alusivos às vitórias militares florentinas.
Esse professor de engenharia na Universidade da Califórnia, San Diego, passou anos no limbo burocrático tentando testar sua técnica de feixes de nêutrons. A busca começou mais de três décadas antes. Em 1975, após estudar engenharia nos EUA, Seracini voltou à sua Florença natal e examinou o Salão dos 500 com um acadêmico especialista em Da Vinci, Carlo Pedretti.
Eles procuravam “A Batalha de Anghiari”, maior pintura que Da Vinci assumiu (o triplo da largura de “A Última Ceia”). Embora nunca a tenha concluído —abandonou-a em 1506—, Da Vinci deixou uma cena central de confronto com soldados e cavalos que foi saudada como um estudo sem precedentes da anatomia e do movimento.
Aí, ela sumiu. Em uma reforma do salão, em 1563, o arquiteto e pintor Giorgio Vasari cobriu as paredes com afrescos de vitórias militares dos Médicis, que haviam voltado ao poder. A pintura de Da Vinci foi praticamente esquecida.
Mas, em 1975, quando Seracini estudou uma das cenas de batalhas de Vasari, notou uma bandeirinha com duas palavras, “Cerca Trova”, algo como “procura e acharás”. Seria um sinal de Vasari de que algo estava oculto embaixo daquilo?
Fazendo imagens de infravermelho e o mapeamento a laser, a equipe de Seracini descobriu onde as portas e janelas estavam antes da reforma de Vasari. A planta reconstruída, combinada com documentos do século 16, bastava para apontar o local pintado por Da Vinci. Ela também oferecia uma possível explicação para o fracasso de Michelangelo em fazer qualquer coisa além de um esboço inicial do seu mural: ele deve ter ficado chateado por Da Vinci ter recebido uma encomenda para um trecho da parede com uma iluminação muito melhor.
“Esta sala é enorme, mas não o suficiente para Michelangelo e Leonardo”, disse Seracini.
A nova análise mostrou que o trecho pintado por Da Vinci estava sob a pista “Cerca Trova”. A notícia ainda melhor, obtida pelo exame por radar, foi que Vasari não pintou sua obra diretamente sobre a de Da Vinci. Ele havia construído novas paredes para receber os seus murais, e se deu ao trabalho de deixar uma pequena fresta atrás dos tijolos.
Em 2005, Seracini jogou feixes de nêutrons inofensivos através do afresco. Com a ajuda de físicos dos EUA, da agência italiana de energia nuclear e de universidades da Holanda e da Rússia, ele desenvolveu dispositivos para identificar as reveladoras substâncias usadas por Da Vinci.
Seracini disse estar otimista com “A Batalha de Anghiari”, caso de fato esteja lá. “A vantagem é que ela está coberta há cinco séculos. Esteve protegida contra o meio ambiente, o vandalismo e as más restaurações. Não espero que haja muita deterioração.”
Se ele estiver certo, talvez Vasari tenha feito um favor a Da Vinci ao cobrir a pintura —e ao tomar o cuidado de deixar aquela críptica bandeirinha por cima do tesouro.


Colaborou Jessica Donati, em Roma


Texto Anterior: Quando você não consegue aquela promoção

Próximo Texto: Ensaio: Como o absurdo molda o intelecto humano
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.