São Paulo, segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Tesouros de Frida Kahlo: verdade ou falsificação?

Por ELISABETH MALKIN

SAN MIGUEL DE ALLENDE, México — Uma espécie de santuário à pintora Frida Kahlo ocupa uma sala pequena nos fundos de uma galeria de antiguidades na cidade montanhosa de San Miguel de Allende, no México.
Mais de dez pinturas disputam espaço nas paredes da sala. Um baú guarda várias “huipules”, as blusas tradicionais de Oaxaca que Kahlo costumava usar. Pastas contêm cópias de páginas de anotações rabiscadas ao amanhecer e cartas que nunca chegaram a ser postadas, repletas de raiva e paixão pelo marido da pintora, o muralista Diego Rivera.
A dúvida é se esse material todo foi de fato de Frida Kahlo.
O vendedor de arte e antiguidades Carlos Noyola, que comprou a coleção, afirma que provou que os objetos pertenceram, sim, a Kahlo. A coleção inclui 1.200 artefatos que, se foram de fato de Kahlo, valem uma fortuna.
Mas a publicação pela editora Princeton Architectural Press, nos EUA, de um livro de arte sobre a coleção mobilizou um grupo diversificado de especialistas em México, EUA e Europa que afirmam que os objetos são falsos. Em setembro, a fundação do governo mexicano que controla os direitos autorais sobre a obra de Kahlo registrou uma queixa-crime contra Noyola. E ela está pesquisando as medidas legais nos EUA para suspender as vendas do livro.
Nenhum dos especialistas foi até San Miguel de Allende. Todos baseiam seus pareceres em reproduções dos objetos. Mary-Anne Martin, marchand de arte latino-americana em Nova York, disse por e-mail que viu “fotos de muitas das obras dessa coleção” e leu “sobre a proveniência e todos os materiais fornecidos”. “Com base no estilo e na execução das pinturas e dos desenhos, no caráter e teor das cartas, receitas e páginas de diário, posso afirmar que são falsificações”, escreveu.
Com lançamento previsto para 1° de novembro, o livro, “Finding Frida Kahlo” (Encontrando Frida Kahlo), contém ilustrações coloridas de muitos objetos da coleção, além de uma entrevista extensa com Noyola e a mulher dele, Leticia Fernández. Os dois disseram que, a partir de 2004, compraram os objetos de um advogado da Cidade do México que lhes disse que os havia adquirido de um xilogravurista que fizera molduras para Kahlo.
A pintora teria confiado tanto no xilogravurista que lhe teria dado várias malas e caixas com alguns de seus artigos mais íntimos. Os Noyola encontraram uma foto do xilogravurista, Abraham Jiménez López, reproduzida no livro.
Eles mandaram as obras para serem autenticadas por uma neta de Diego Rivera, Ruth Alvarado, que morreu há dois anos. Também consultaram três artistas que estudaram e trabalharam com Kahlo e Rivera na década de 1940.
Quase todos os itens da coleção Noyola trazem a assinatura “Frida K.”, raramente vista na coleção de documentos arquivada no Museu Frida Kahlo, que ocupa o imóvel que foi a casa da pintora.
A fotógrafa Lola Álvarez Bravo fez fotos da obra de Kahlo, e em seu arquivo fotográfico não existe uma única imagem de qualquer uma das obras da coleção Noyola, disse Jay Oles, professor de história da arte no Wellesley College (EUA), que já escreveu sobre Kahlo.
Jennifer Thompson, diretora editorial da Princeton Architectural Press, disse que não consultou especialistas externos antes de fechar contrato com Loyola para publicar o livro porque confiou nas medidas tomadas pelo marchand para autenticar as obras. “Nos apaixonamos pelo material”, disse ela. “Há algo nele de tão provocante e chocante. Acho que seria interessante mesmo que não fosse de Frida Kahlo.”


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