São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

Próximo Texto | Índice

Dexter Filkins
Análise

Diplomacia ganha protagonismo

Cabul, Afeganistão
Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, a política externa dos EUA muitas vezes parecia ser simplesmente uma questão militar, mesmo que nem sempre conduzida por homens armados, e sim por civis que não se acanhavam em lembrar aos inimigos de que tinham a força à sua disposição. Os diplomatas, em geral, assistiam de longe.
Mas Richard Holbrooke, enviado especial dos EUA para o Afeganistão e o Paquistão —rígido, experiente, carismático—, parece encarnar um novo paradigma, que inclui a força militar, mas enfatiza um conjunto maior de ferramentas, como a diplomacia, a persuasão e o dinheiro.
Esse novo paradigma ficou evidente há uma semana, quando o presidente Barack Obama demonstrou estar disposto a um maior envolvimento com Cuba, ao abandonar antigas restrições a viagens e remessas financeiras de cubano-americanos.
E, numa conferência internacional sobre o Afeganistão, em 31 de março, Holbrooke manteve um rápido diálogo com um representante iraniano. Foi o primeiro encontro cara a cara entre os governos de Obama e do Irã.
Numa viagem pelo sul da Ásia no começo de abril, Holbrooke e o almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, se reuniram com diversas pessoas que, em outros tempos, seriam consideradas inimigas, ou pelo menos suspeitas: ex-combatentes do Taleban, um ex-prisioneiro que passou três anos em Guantánamo e líderes das áreas tribais sob administração federal, a desgovernada região paquistanesa que os líderes da Al Qaeda transformaram em santuário.
O notável não foi só com quem Holbrooke se sentou, mas sobre o que falou: em sucessivos encontros com afegãos comuns, por exemplo, ele pediu desculpas pelas mortes de civis causadas por militares norte-americanos.
A reafirmação da liderança civil está sendo conduzida pela secretária de Estado, Hillary Clinton, que prometeu restaurar o caráter central do Departamento de Estado na formulação da política externa. Nos primeiros seis anos do governo de George W. Bush, o então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, dominava as interações com o mundo, deixando de lado os secretários de Estado Colin Powell e Condoleezza Rice.
Da mesma forma, em lugares como os Bálcãs e o Iraque, os militares dos EUA começaram a assumir atividades outrora reservadas aos diplomatas, como supervisionar os projetos de reconstrução e desenvolvimento.
Hillary diz que pretende não só recuperar tais responsabilidades, como também restaurar o papel primário da diplomacia na resolução de crises. Um dos pontos centrais desse esforço seria o Irã, que o Ocidente teme estar rapidamente desenvolvendo a capacidade de produzir armas nucleares.
De fato, o próprio almirante Mullen denuncia o que chama de “militarização” da política externa norte-americana e defende a restauração de parte da influência do Departamento de Estado. Em 2007, quando era chefe de operações navais, Mullen ofereceu transferir parte do seu Orçamento para o Departamento de Estado —um gesto extraordinário para um funcionário público. “Os militares deveriam ser guiados pela diplomacia”, disse Mullen durante a recente visita à Ásia. (O Departamento de Estado, segundo o almirante, nunca manifestou interesse pela oferta dele.)
Talvez seja no Afeganistão e no Paquistão que a nova abordagem diplomática enfrentará seu teste mais difícil e importante.
Obama recentemente determinou o envio de 21 mil soldados ao Afeganistão, somando-se aos cerca de 40 mil militares já presentes no país. Trata-se de meios e fins militares, não diplomáticos. Mas Obama deixou claro que, para derrotar a Al Qaeda, os EUA terão de embarcar em uma longa e custosa campanha de diplomacia e construção nacional tanto no Afeganistão quanto no Paquistão. Em discurso no mês passado, ele disse que ordenaria um “dramático” aumento no número de civis que trabalham no Afeganistão e prometeu mais gastos em comunicação para se contrapor à propaganda do Taleban.
A respeito do Paquistão, Obama disse que pedirá uma enorme ampliação na ajuda econômica ao país, grande parte da qual seria dirigida a áreas tribais próximas à fronteira com o Afeganistão, refúgio da Al Qaeda. Sob tal plano, os EUA enviariam ao Paquistão US$ 1,5 bilhão por ano ao longo dos próximos cinco anos. Isso significa que a assistência econômica e humanitária ao Paquistão praticamente se equivaleria à quantia gasta com os militares daquele país. De fato, com 175 milhões de habitantes, a maioria deles pobres e analfabetos, e com um grande arsenal nuclear, o Paquistão é potencialmente um problema bem maior para os EUA do que o Afeganistão.
“Mesmo que façamos tudo certo no Afeganistão —se tivermos um governo livre de corrupção, se acertarmos a contrainsurgência— não teremos sucesso se não consertarmos o Paquistão”, disse Holbrooke em Islamabad. “O Paquistão pode ameaçar o Afeganistão a qualquer momento que desejar, e a um custo baixíssimo.”
Holbrooke e o almirante Mullen recentemente fizeram uma piada. Diante de clérigos em Cabul, o almirante disse ao grupo que estava tão preocupado com o destino da região que havia viajado para cá quase uma vez por mês desde que se tornou chefe do Estado-Maior Conjunto, em outubro de 2007.
“Já vim à região 9 ou 10 vezes”, afirmou o almirante aos clérigos. E Holbrooke atalhou: “E a cada vez as coisas pioraram”. Mullen, Holbrooke e todos os clérigos riram.


Próximo Texto: Obama reage timidamente à mudança climática
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.