São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Interesses protegem minas ilegais e perigosas na China

Shiho Fukada para o New York Times
Song Xiyi recolhe sobras de carvão na mina Lijiawa, onde autoridades tentaram acobertar um incêndio que matou 35 pessoas. Minas ilegais se proliferam na China

Por SHARON LaFRANIERE

ZHONGLOU, China — Quando um incêndio subterrâneo matou 35 homens no fundo do poço de uma mina de carvão, no ano passado, os sinais de mais um desastre numa mina chinesa eram visíveis por toda parte: nuvens de fumaça negra que se erguiam no céu, dezenas de funcionários dos serviços de resgate, que passaram nove horas procurando sobreviventes, e familiares chorando na entrada da mina.
Embora o proprietário e as autoridades locais tenham tomado poucas medidas para prevenir a tragédia, eles conseguiram ocultá-la quase por completo.
Durante três meses, nenhuma notícia vazou do coração do cinturão do carvão chinês sobre a explosão de 14 de julho na mina ilegal —um poço de 300 metros de profundidade na Província de Hebei, a 160 quilômetros de Pequim.
O dono da mina pagou às famílias dos mortos e cremou os corpos dos mineiros, mesmo aqueles cujos familiares queriam enterrá-los. Autoridades locais fingiram investigar o incidente e divulgaram um relatório falso. Jornalistas foram subornados para manter silêncio. O poço da mina foi fechado.
“Aquele lugar era escuro e mau”, disse a mulher de um mineiro cuja vida foi poupada porque ele perdeu a hora de seu turno naquele dia. “Ninguém teve coragem de denunciar o acidente porque o proprietário era poderoso.”
A tragédia em Lijiawa pode não ter acontecido oficialmente, mas uma pessoa corajosa reportou o acobertamento do fato num site de bate-papos na internet em setembro. O governo central interveio, demitindo 25 funcionários do governo local e abrindo um inquérito criminal contra 22 deles.
Um acobertamento tão amplo pode parecer incomum atualmente, mas ainda é algo corriqueiro na China. Burocratas chineses habitualmente escondem falhas de segurança por medo de serem responsabilizados pelo governista Partido Comunista ou de expor vínculos ilícitos com as empresas envolvidas.
As autoridades de segurança no trabalho de Pequim se queixam de que, mais do que em outros setores da economia, as mortes em minas de carvão muitas vezes são minimizadas ou nem sequer relatadas. Isso se deve aos lucros de alto risco auferidos por empresários e funcionários locais corruptos que exploram reservas de carvão perigosas com trabalhadores temporários, não qualificados, em milhares de minas ilegais.
Duas semanas após o desastre de Lijiawa, por exemplo, funcionários da vizinha Província de Shanxi anunciaram a morte de 11 pessoas num deslizamento de causas naturais. Depois de outra denúncia na internet, investigadores descobriram que 41 camponeses tinham sido soterrados por uma avalanche de pedras e detritos de uma mina de ferro.
Mesmo incompletos, os números oficiais de mortos em minas chinesas são astronômicos. No ano passado, morreram em média nove mineiros do carvão por dia na China —indice 40 vezes superior ao dos EUA, segundo a Administração Estatal de Segurança no Trabalho. Minas pequenas, tanto legais quanto ilegais, foram responsáveis por 75% das mortes, mas apenas 30% da produção.
É verdade que a segurança nas minas hoje é bem melhor do que há seis anos. Huang Yi, vice-administrador da agência de segurança no trabalho, disse que o aumento do escrutínio, a adoção de normas mais rígidas e o fechamento de 12 mil minas reduziram as mortes em 75% desde 2002. “Há algumas minas ilegais ainda em operação porque são protegidas por autoridades locais, mas o número delas é cada vez menor”, disse Huang.
O professor de economia Hu Xingdou, do Instituto Pequim de Tecnologia, argumenta que a abordagem de cima para baixo de Pequim é limitada para tornar as autoridades locais mais responsáveis. “Não temos uma democracia de base, não temos sindicatos independentes; não temos freios e contrapesos; não temos um sistema de responsabilidade oficial”, disse.
As autoridades tentam preencher essa brecha oferecendo linhas telefônicas para denúncia de problemas e até recompensas aos denunciantes. Mas, num país que depende do carvão para a maior parte de sua produção de eletricidade, há incentivos financeiros poderosos por trás da minas de alto risco.
No Condado de Yu, onde os pobres rastelam a terra devastada em busca de pedaços de carvão soltos, a ideia corrente é que as autoridades locais estão em conluio com os operadores das minas. Segundo um funcionário, quase metade das 200 minas locais operou ilegalmente em 2008.
O poço único da mina de Lijiawa não era segredo para ninguém. Embora seus donos não possuíssem nenhuma das seis licenças exigidas pela lei, a mina ainda operou em terreno do Estado por mais de três anos, segundo o funcionário.
Zhou Xinghai ajudou a recrutar trabalhadores migrantes para trabalhar no local. O salário mensal de R$ 1.300 era alto para mão-de-obra migrante, mas os riscos eram grandes.
Zhou disse que o dono da mina, Li Chengkui, o instruiu a tratar com as famílias das vítimas. Ele queria que os parentes fossem divididos “para que não provocassem uma confusão”, disse Zhou.
A viúva do mineiro Yang Youbiao contou que foi levada às pressas da mina para um hotel local, depois para outros dois condados. Num deles recebeu as cinzas de seu marido, embora quisesse enterrar seu corpo. Temendo represálias, ela pediu para que seu nome não fosse divulgado.
“Eles nos deram as cinzas e nos mandaram embora”, falou, chorando silenciosamente. “Nem sequer sei se as cinzas que me deram eram de meu marido.”


Colaboraram Huang Yuanxi, em Pequim, e Zhang Jing, no Condado de Yu


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