São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Michael Kimmelman
Ensaio

Polônia examina tempos de antissemitismo

VARSÓVIA — Em “Um Ato de Liberdade”, filme de ação de 2008 ambientado durante a Segunda Guerra Mundial e estrelado por Daniel Craig, os irmãos Bielski salvam centenas de outros judeus poloneses, combatendo nazistas nas florestas de Belarus. Dirigido por Edward Zwick e baseado numa história verídica, o filme pretendia contrabalançar as histórias mais comumente contadas por Hollywood que destacam a impotência dos judeus durante o Holocausto.
A questão de se o filme conseguiu seu intento ou se, em lugar disso, deixou subentender que os judeus que não lutaram foram parcialmente responsáveis pelo que lhes aconteceu, tornou-se tema de discussão nos EUA.
Mas críticos de cinema na Polônia se indagaram se Hollywood algum dia mostrará resistentes poloneses como heróis, em oposição a mostrá-los como antissemitas. Um livro escrito por dois jornalistas para o jornal de esquerda “Gazeta Wyborcza” questionou as motivações financeiras dos irmãos Bielski da vida real e foi tirado das livrarias logo depois de lançado, por acusações de imprecisão e plágio.
Então o filme estreou, e a questão inteira perdeu destaque.
À medida que a Europa se diversifica, parece que quase todas as nações e as culturas no continente disputam o status de vítimas. Os poloneses têm razões especialmente fortes para se enxergarem como oprimidos, já que seu país foi alvo de disputas e passou boa parte do tempo ocupado por regimes cruéis.
As lutas pelo poder político durante e após a guerra, entre outras complicações da história polonesa, levaram alguns judeus poloneses em determinados momentos a tomar o partido dos soviéticos contra os nazistas e os resistentes poloneses. Todo esse atoleiro moral, essencial para a identidade polonesa, tende a não ser compreendido por pessoas de fora, muitas das quais veem o país como tendo sido pouco mais do que um grande campo de extermínio de judeus durante boa parte do século 20.
Jerzy Halberszdadt é diretor do Museu da História dos Judeus Poloneses em Varsóvia, que começará a construção de uma nova sede, prevista para 2012, ao lado do Memorial do Gueto de Varsóvia.
Para Halberszdadt, o antissemitismo polonês ainda persiste. “Mas os poloneses são mais fortemente pró-EUA, e um efeito disso é que a Polônia tem uma política pró-Israel forte, sem oposição em lugar algum do espectro político”, acrescentou. “O antissemitismo deixou de ser um problema para nós na vida diária.”
Michael Bilewicz, psicólogo judeu especializado em relações entre poloneses e judeus, apontou para livros como “Fear” (Medo) e “Neighbors” (Vizinhos), do historiador Jan T. Gross, que documentam atrocidades cometidas por poloneses contra judeus durante e após a guerra e que provocaram um grande exame de consciência público, tornando impossível continuar a negar a cumplicidade polonesa (com os nazistas).
Enquanto isso, a cultura, apesar da virtual ausência de judeus na Polônia, vem ajudando a modificar atitudes no país em grau significativo. As livrarias estão repletas de livros sobre história e cultura judaicas. Há uma feira de livros judaicos em Varsóvia e um festival cultural judaico em Cracóvia, além do museu de Halberszdadt.
Filmes como “O Pianista” (2002), de Roman Polanski, sobre um sobrevivente judeu, reconheceram que a decência polonesa sobreviveu à guerra. E, em 2007, “Katyn”, de Andrzej Wajda, dramatizou o assassinato de 15 mil oficiais poloneses pelo Exército Vermelho. Foi também parte do processo cultural de desenredar publicamente a complexidade da história polonesa. Wajda disse que fez o filme para alcançar uma geração do público polonês “para a qual importa que sejamos uma sociedade, e não apenas uma multidão acidental”. Ou seja, para uma geração interessada em desembrulhar o passado.


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