São Paulo, segunda-feira, 20 de abril de 2009

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Livro lança luz sobre jovem que inspirou Beethoven


Obra revive um violinista mestiço cuja “chama foi apagada”

Por FELICIA R. LEE

Haydn quase certamente o encontrou quando criança em um castelo húngaro, onde o pai do menino era um empregado, e Haydn, o diretor musical. O que viria a ser presidente dos EUA, Thomas Jefferson (1801-1809), o viu apresentar-se em Paris em 1789: um prodígio do violino de nove anos de idade, mestiço, com uma cascata de cachos escuros. O menino passou a inspirar Beethoven e ajudou a moldar o desenvolvimento da música clássica, mas acabou relegado a uma nota de rodapé na vida de Beethoven.
Rita Dove, poeta americana premiada com o Pulitzer, agora inspirou vida na história daquele virtuoso, George Augustus Polgreen Bridgetower, em seu novo livro, “Sonata Mulattica”. A coletânea de poemas, com o subtítulo “Uma vida em cinco movimentos e uma peça curta”, mistura fato e ficção para encarnar Bridgetower, filho de uma polonesa- alemã com um afro-caribenho.
Quando ele morreu, no sul de Londres, em 1860, seu atestado de óbito simplesmente notava que foi um “gentleman”. Dove imagina, escrevendo em seu poema “The Bridgetower”, que “esse filhinho de papai de pele clara/ poderia ter navegado seus 15 minutos de fama/ diretamente para os livros de história”.
Não ajudou o fato de que anos antes, em aparentemente acesso de raiva depois de uma discussão por causa de uma mulher, Beethoven tirou o nome de Bridgetower de uma sonata que lhe havia dedicado, sendo Bridgetower o mulato de “Sonata Mulattica”. Os dois a haviam apresentado ao público pela primeira vez em Viena em 1803, com Beethoven no piano e Bridgetower no violino. Quando foi publicada, em 1805, havia se transformado na Sonata “Kreutzer”, dedicada ao violinista francês Rudolphe Kreutzer, que não gostava dela, porém, dizendo que era impossível de tocar, e nunca a interpretou.
“A história que está sendo contada não é apenas a história de sua vida, mas da natureza da fama e da memória pública”, disse Dove. “Na mistura, colocamos a vida desse menino mulato. Também é uma história da juventude. A juventude é exótica, assim como a raça.”
“Sempre me intrigou a maneira como a história funciona e como decidimos o que é citado”, continuou Dove. “Ali estava o caso de um homem que entrou para os livros de história, mas por pouco. E que teria sido, senão uma palavra muito conhecida, uma palavra conhecida no mundo musical. Essa chama foi apagada.”
Dove, que é professora de inglês na Universidade da Virgínia, disse que acha seu tema ao mesmo tempo intrigante e triste. Quando criança, Bridgetower viajou de cidade em cidade, com seu pai atuando como empresário, às vezes vestindo-se e a seu filho em trajes exóticos para atrair publicidade.
A história de Bridgetower é uma correção da ideia de que certas formas culturais são de certo modo reserva de determinados grupos, disse o historiador, romancista e ex-curador de museu Mike Phillips. “Bridgetower floresceu em uma época em que o mundo fora da África era como um enorme campo de concentração para as pessoas negras”, disse. Ele notou que, enquanto Bridgetower se formou em música em Cambridge e conseguiu ganhar a vida como musicista, durante grande parte de sua vida o comércio de escravos transatlântico estava em pleno vigor.
Além disso, disse, Bridgetower foi crucial para o estabelecimento da Real Academia de Música. Essa instituição foi a principal influência e reguladora da história musical do Reino Unido em um momento em que as formas e estruturas da música clássica moderna estavam sendo inventadas, junto com novos instrumentos hoje ouvidos ouvidos nas salas de concerto contemporâneas.
Quem sabe o que teria sido diferente, se não fosse essa dedicação?


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