São Paulo, segunda-feira, 20 de julho de 2009

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Ensaio

Mark Bittman

Comprar peixes de olho no ambiente

Em 1994, publiquei meu primeiro livro, “Fish: The Complete Guide to Buying and Cooking” (Peixes: O guia completo para comprar e cozinhar). A premissa era clara: se você comprar peixe fresco e cozinhá-lo de maneira simples, comerá bem. Rapidamente a coisa ficou muito mais complicada, porque o livro foi publicado em meio a uma revolução que transformou o mundo dos alimentos marinhos.
Desde a década de 1980, vimos o surto do comércio internacional, a piscicultura acelerada de peixes de barbatana e o aumento de grandes frotas pesqueiras, que começaram na década de 1950 e, desde então, esgotaram os estoques de peixes em todos os oceanos.
Comprar um pedaço de peixe tornou-se tão desafiador que, quando meu editor perguntou se eu queria revisar o livro, achei melhor declinar. A cozinha continua a mesma, mas a compra tornou-se um pesadelo logístico e ético.
Quando comecei a comprar e cozinhar peixes, minhas opções eram variadas e, principalmente, locais. Ocasionalmente havia salmão do Pacífico ou mahi-mahi, mas o bacalhau do Pacífico e o badejo chileno eram desconhecidos.
Enquanto isso, a mudança estava em curso. Os chefs se gabavam de trazer “o peixe mais fresco” que pudessem encontrar, mesmo que ele viesse de milhares de quilômetros de distância. O salmão criado em viveiros tornou-se comum. Mas os lados negativos da sua criação ficaram evidentes.
Nada disso mudou um fato básico sobre o peixe: ele supera qualquer outro animal em termos de facilidade de cozimento e variedade de sabores e texturas. Os melhores pratos de peixe —toro grelhado, pils-pils, lagosta cozida, salmão defumado, vieiras quase cruas— estão não apenas entre os maiores prazeres culinários, como também entre os mais simples.
Mas, como comprar peixe sem sentir culpa ou enlouquecer? É muito fácil dizer “compre apenas peixes criados de modo sustentável”, mas a prática é mais difícil.
Paradoxalmente, alguns dos peixes mais abundantes são quase impossíveis de encontrar. E, mesmo quando você encontra um peixe que acredita existir em abundância, a nomenclatura pode confundi-lo. Assim, quando o programa Seafood Watch diz que “badejo preto” é uma “boa” alternativa, também indica que várias outras espécies são chamadas pelo mesmo nome ou semelhantes (incluindo a garoupa, muito ameaçada). Eles também dizem que é importante evitar badejo pescado no Atlântico sul. Ou que seja apanhado por redes.
A alternativa comum são os peixes criados em viveiros. Mas, com exceção dos moluscos, que são criados há muito tempo com pequeno impacto ambiental, a maioria dos produtos da piscicultura não apenas não vale a pena cozinhar como também é ambientalmente discutível.
Na verdade, em muitos casos, peixes naturais são pescados para produzir ração para peixes de criadouros, e é necessário 1,4 quilo de peixes selvagens para produzir meio quilo de salmão de viveiro. A piscicultura também é um poluente local e um grande consumidor de antibióticos, e acredita-se que peixes criados que escapam e cruzam com peixes silvestres podem enfraquecê-los.
Pessoas bem-intencionadas estão trabalhando para tornar a piscicultura mais atraente, e afinal acho que teremos duas categorias de peixes criados em cativeiro. Uma será bem cuidada, saborosa e exclusivamente para os ricos. A outra serão as tilápias e semelhantes, peixes que se alimentam de plantas e podem ser criados e vendidos relativamente barato. Eles terão melhor sabor que hoje, mas provavelmente ainda não serão maravilhosos.
Pode-se argumentar simplesmente que não se deve comer peixes, temendo que, ao consumir as poucas espécies ainda não ameaçadas —sardinhas, atum, lula—, poderemos também colocá-las em perigo. Mas, embora esse possa ser o argumento mais fácil, provavelmente não será popular.
Além disso, a situação não é desesperadora. Muitos especialistas acreditam que, se as práticas de manejo dos pesqueiros mais regulamentados forem adotadas globalmente, a maioria dos peixes poderá voltar a níveis comercialmente viáveis com rapidez. Neste caso, haverá maior disponibilidade de peixes bons e sustentáveis. (E mais caros, mas não se pode ter tudo.) Enquanto isso, sou cuidadoso. Penso que comer peixe é um luxo. Não como diariamente ou em grande quantidade, mas de vez em quando e com apreço. Foram-se os dias do “ver e comer”.


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