São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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Campo fica de fora do crescimento indiano

Leis e costumes atrapalham a agricultura na Índia

Por VIKAS BAJAJ
BAMNOD, Índia - A Índia, apesar das suas ambições como potência econômica emergente, ainda luta para alimentar seus 1,1 bilhão de habitantes.
Décadas depois da Revolução Verde que parecia estar resolvendo os problemas alimentícios do país, quase metade das crianças indianas de até cinco anos são desnutridas. E, embora os problemas agrícolas da Índia sejam parte de um amplo quebra-cabeça global, os desafios alimentares do país, sob muitos aspectos, são mais arraigados e sistêmicos.
A economia da Índia tem crescido quase 9% ao ano. Mas a estatística não se reflete nas vastas zonas rurais. A agricultura emprega mais de metade da população, mas responde por apenas 15% do PIB -e tem crescido a uma média anual de apenas 3%.
Críticos dizem que as autoridades não conseguiram dar seguimento aos investimentos em tecnologia agrícola feitos pela Índia nas décadas de 1960 e 70, já que preferiram priorizar setores mais urbanos e glamorosos, como a tecnologia da informação, os serviços financeiros e a construção.
As leis e os costumes locais impedem que corporações se envolvam diretamente no cultivo de alimentos. A legislação também dificulta a formação de grandes latifúndios.
No entanto, enquanto a agricultura indiana ainda está condicionada ao trabalho braçal e às eternas vicissitudes da natureza, a demanda por alimentos continua crescendo, por causa do aumento populacional e da expansão da renda. Por isso, a Índia importa cada vez mais alimentos básicos, como feijão, lentilha e óleo comestível.
Os preços alimentícios estão subindo mais na Índia do que em praticamente qualquer outra grande economia. Em dezembro de 2010, os alimentos custavam em média 13,7% a mais do que um ano antes, enquanto a inflação das commodities como um todo foi de 8,4%.
Uma cifra divulgada em meados de janeiro mostrou que a alta nos preços dos alimentos na Índia estava se acelerando ainda mais -superando 17% em relação ao mesmo período de 2009- por causa do encarecimento de produtos como cebola, frutas, ovos e leite, entre outros.
A inflação alimentícia é especialmente nociva aqui porque os indianos -a maioria dos quais vivendo com menos de US$ 2 por dia -gastam uma maior proporção da sua renda com comida do que as populações de outras grandes economias em desenvolvimento, como China e Brasil.
"Essa é a pior forma de taxação sobre os mais pobres", afirmou Ashok Gulati, diretor para a Ásia do Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares.
O governo tenta compensar a escassez de hortifrútis, por meio da importação.
Esse esforço imediato tem dado resultados: a cebola está atualmente sendo vendida a 20 rupias (US$ 0,44) o quilo em Mumbai, uma queda de mais de 70% em relação aos recentes recordes de preço.
Mas especialistas dizem que a disparidade cada vez maior entre a anêmica oferta agrícola e a crescente demanda exige mudanças fundamentais nas políticas rurais.
Durante a Revolução Verde, o governo investiu pesadamente na agricultura, com ênfase na adoção de sementes híbridas, fertilizantes e canais de irrigação.
Mas governantes mais recentes não aproveitaram esse sucesso inicial.
Os camponeses indianos ainda não possuem acesso a sistemas de irrigação, e o desperdício e a ineficiência causaram um grave esgotamento dos lençóis freáticos.
Embora muitos agricultores tenham acesso a eletricidade grátis ou subsidiada, que pode ser usada no bombeamento de água, poucos recebem energia durante mais do que algumas horas por dia. E a Índia rural possui muito poucos armazéns climatizados, o que ajudaria os agricultores e o país na organização de estoques que os protegessem contra safras ruins.
As autoridades indianas admitem que o país precisa aumentar seus investimentos em irrigação, estimular a concorrência no atacado e no varejo e oferecer subsídios alimentícios aos pobres.
Especialistas afirmam que a Índia necessitaria de algumas mudanças como as que a China fez a partir do final da década de 1970, quando começou a investir pesadamente em agricultura e a liberalizar as regras do setor.
Em 1977, China e Índia colhiam praticamente a mesma quantidade de trigo por hectare plantado. Em 2009, segundo dados da ONU, a produtividade chinesa foi 1,7 vez maior que a indiana.
Kaushik Basu, professor da Universidade Cornell, em Nova York, e consultor-chefe de assuntos econômicos do ministro indiano das Finanças, diz ver, atualmente, uma maior disposição das autoridades para reformar as políticas agrícolas.
Mas especialistas externos, como Gulati, duvidam que uma mudança real parta do atual governo, assolado por escândalos de corrupção.
Alguns agricultores indianos estão investindo por conta própria, encontrando formas de contornar o governo quando necessário e usando os subsídios disponíveis.
Na aldeia de Pahur, a renda anual do agricultor Sandeep Ram Karshanbakr saltou de 80 mil rupias (US$ 1.800) há três anos para 200 mil rupias (US$ 4.400), graças a um sistema de irrigação por gotejamento que ele adquiriu da empresa Jain Irrigation.
O governo pagou metade do custo de 128 mil rupias (US$ 2.800).
O uso de água e eletricidade na propriedade de um hectare pertencente a ele caiu a cerca de metade, e a produtividade das suas lavouras de pimenta, couve-flor, berinjela, tomate e algodão cresceu de duas a cinco vezes.
Karshanbakr agora cogita comprar ou arrendar mais terras.
Muitos agricultores, no entanto, dizem que não podem arcar com esse equipamento de irrigação -mesmo que o governo dê subsídios de até 50%.
Anil Jain, diretor-gerente da Jain Irrigation, disse que a Índia precisaria ajudar os agricultores no investimento. "A agricultura pode crescer de 6% a 8%", disse. "Mas temos de criar oportunidades e renda nas áreas rurais."


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