São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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Alguns questionam ataque à poliomielite

Por DONALD G. McNEIL Jr.
Em uma segunda-feira recente, em uma casa em Manhattan que já pertenceu à mais famosa vítima da poliomielite, Franklin D. Roosevelt, Bill Gates fez um apelo por mais um grande esforço para eliminar a pólio no mundo.
O fundador da Microsoft surgiu nos últimos dois anos ao mesmo tempo como um dos maiores doadores -já ofereceu US$ 1,3 bilhão, mais que o valor levantado em mais de 25 anos pela organização humanitária Rotary International- e como a voz mais veemente a favor da erradicação da doença.
Enquanto surtos geram reveses a cada ano, ele vem dando cada vez mais dinheiro, não só para pesquisa como para o trabalho em campo: pagar a milhões de vacinadores US$ 2 ou US$ 3 para pingar as gotas cor-de-rosa da vacina na boca das crianças em aldeias e favelas.
No entanto, mesmo enquanto pressiona, Gates enfrenta uma difícil questão para alguns especialistas em erradicação e bioéticos: está certo continuar tentando?
Embora os casos tenham diminuído mais de 99% desde o início da campanha em 1985, livrar-se do último 1% tem sido quase impossível. Quando a vacinação neutraliza a pólio em um país, o vírus surge em outro.
Gates viaja para aldeias remotas da Índia e da Nigéria para ser fotografado pessoalmente dando a vacina.
Ele também usa sua celebridade para pressionar líderes políticos. Países ricos do Golfo foram criticados por dar muito pouco para uma doença que hoje afeta principalmente crianças muçulmanas; no mês passado em Abu Dabi, nos Emirados Árabes Unidos, Gates e o príncipe Mohammed bin Zayed al Nahyan doaram US$ 50 milhões cada para vacinar crianças no Paquistão e no Afeganistão.
Em Davos, Suíça, Gates e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciaram que o Reino Unido dobrará sua doação de US$ 30 milhões. Em janeiro, quando o presidente paquistanês, Asif Ali Zardari, participou do enterro do diplomata Richard C. Holbrooke em Washington, Gates lhe ofereceu US$ 65 milhões para iniciar uma nova campanha antipólio. Zardari aceitou.
Em 1985, o Rotary levantou US$ 120 milhões, esperando erradicar a pólio até 2000. Mas a doença persiste, o esforço já custou US$ 9 bilhões e, a cada ano, consome outro bilhão. Em comparação, uma campanha de 14 anos para eliminar a varíola, segundo o doutor Donald A. Henderson, ex-diretor da Organização Mundial de Saúde que a iniciou, custa apenas US$ 500 milhões.
Recentemente, Richard Horton, editor da influente revista médica britânica "The Lancet", disse, através do Twitter, que "a obsessão de Bill Gates pela pólio está distorcendo prioridades em áreas críticas da BMGF [Bill & Melinda Gates Foundation]. A saúde global não depende da erradicação da pólio".
Esses argumentos enfurecem Gates. "Esses cínicos deveriam fazer um trabalho de verdade que diga sobre quantas crianças estão realmente falando", ele disse. "Se você não mantiver a pressão contra a pólio, estará aceitando 100 mil a 200 mil crianças aleijadas ou mortas por ano."
Alguns céticos reconhecem que defendem a aceitação de mais paralisias e mortes por pólio como preço para transferir aquele bilhão de dólares para vacinas e outras medidas que evitem milhões de mortes por outras doenças, como pneumonia, diarreia, sarampo, meningite e malária.
Gates e os céticos concordam que a pólio é mais difícil de vencer do que foi a varíola. Uma única injeção detém a varíola, mas, em países com esgoto a céu aberto, as crianças precisam receber as gotas antipólio até dez vezes. Somente uma vítima em cada 200 apresenta sintomas. Por isso, quando há 500 casos de paralisia, como no surto na República do Congo, há 100 mil outros portadores silenciosos.
"O combate à pólio sempre teve um fator emocional -os cartazes da criança com aparelho, da Marcha dos Tostões", diz o doutor Henderson. "Mas ela não mata tantas quanto o sarampo. Não está entre as 20 principais."
A vitória pode ter estado mais próxima em 2006, quando restavam apenas quatro países que não haviam derrotado a pólio: Nigéria, Índia, Paquistão e Afeganistão. Esses quatro ainda não a dominaram, mas a Índia e a Nigéria estão se saindo muito melhor. Hoje, quatro outros -Angola, Chade, República Democrática do Congo e Sudão -tiveram surtos no último ano, e outros 13, recentemente: oito na África, ao lado de Nepal, Cazaquistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Rússia.
O doutor David L. Heymann, um ex-chefe de erradicação da pólio na OMS, disse que ainda é "muito otimista" de que a erradicação será alcançada.
Mas, se houver outro grande revés -por exemplo, se surgirem casos novamente no verão na Índia-, ele disse que poderá defender a mudança da meta de erradicação a fim de se gastar mais em sistemas de tratamento até que a vacinação de crianças para todas as doenças esteja melhor.
"Quando a cobertura de rotina é boa, não há problema em se livrar da pólio", disse o doutor Heymann. Perguntado a respeito, Gates disse: "Já estamos fazendo isso".


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