São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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Dinheiro do petróleo desaparece na Nigéria

Cadê os US$ 22 bi que sobraram do petróleo?

Por ADAM NOSSITER
YENAGOA, Nigéria - O dinheiro do petróleo amaldiçoa esta localidade ampla e pantanosa no delta do Níger, da qual brotam esqueletos ambiciosos e inacabados: um fantasmagórico hotel com muitos andares; um shopping center de luxo; um hospital gigantesco, basicamente vazio; moradias e outros projetos, alguns concluídos, muitos não.
Mais perto dos moradores, as escolas estão desmoronando, o comércio ocupa barracos esquálidos, soldados operam postos de controle, e militantes se escondem em córregos.
Bilhões de dólares das imensas riquezas petrolíferas da Nigéria foram canalizados para lugares como este só no último ano, mas ainda não trouxeram paz ao país. A região continua sendo assolada por enormes disparidades de renda, sequestros, sabotagens e outras ameaças.
Nos últimos meses, essa conjunção de riqueza petrolífera com turbulência e pobreza ressurgiu em meio a sinais de que a rebelião não acabou. Em outubro, um atentado cometido por insurgentes sulistas matou pelo menos 12 pessoas em Abuja, a capital. Depois, pistoleiros atacaram uma plataforma marítima de petróleo e capturaram reféns. Ações das Forças Armadas contra militantes resultaram em vítimas civis.
Garantir a volta dos dividendos petrolíferos para esta miserável região é um grito de guerra dos militantes, mas o recente aumento no afluxo de dinheiro -muito dinheiro- gerou mais dúvidas do que calma no delta do Níger.
Reservadamente, diplomatas estrangeiros, analistas e agências de "rating" -para não falar dos próprios moradores- se perguntam o que o governo fez com quase US$ 30 bilhões em dividendos suplementares do petróleo. A maior parte desse dinheiro foi para o delta do Níger, sob uma fórmula federal que favorece a região produtora de petróleo. Mas é difícil ver o resultado desses gastos.
No final de 2008, havia cerca de US$ 30 bilhões na Conta de Excesso do Petróleo Bruto da Nigéria, um fundo no qual o governo deposita dividendos que superem o valor calculado com base em uma cotação projetada do petróleo.
Quando o petróleo está caro, o dinheiro cai na conta, que se torna uma bolada irresistível e sem prestação de contas, especialmente para os governos dos 36 Estados nigerianos, segundo analistas financeiros e grupos que fiscalizam o governo. Dos US$ 30 bilhões, o fundo minguara para cerca de US$ 450 milhões em meados de 2010, de acordo com Veronica Kalema, da Fitch Ratings, que, no final do ano passado, reduziu a nota nigeriana de "estável" para "negativa", em parte por causa da sangria na Conta de Excesso do Petróleo Bruto.
No começo deste ano, o valor em conta havia caído para cerca de US$ 300 milhões, segundo relatos da imprensa local. Funcionários do Ministério das Finanças não responderam a telefonemas neste mês, mas Kalema diz que, só em 2010, foram gastos cerca de US$ 15 bilhões.
Parte dessa vasta quantia, talvez US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões, já foram gastos em infrutíferos esforços de modernização da pífia produção energética nigeriana. Mas o resto, cerca de US$ 22 bilhões ou mais, continuam praticamente desaparecidos.
"Aonde diabos foram parar os outros mais de US$ 22 bilhões?", perguntou um consultor do governo nigeriano no exterior, pedindo anonimato. "A maior parte foi sugada pelos governos estaduais sem quaisquer projetos em particular para serem gastos, só com base no 'tem dinheiro parado nas contas, vamos sacá-lo'."
É possível que ninguém tenha um quadro claro do destino dessa enorme soma depois de ela ser fatiada em incontáveis reuniões de governadores.
"Basicamente é um dinheiro grátis", afirmou outro consultor financeiro que presta serviços ao governo federal. "Uma vez que você o recebe, não há pesos e contrapesos sobre o que acontece com ele."
Ao longo da rua Isaac Boro, há mansões e amplos hotéis, alguns acabados, alguns não, e "tudo ou quase tudo pertence a membros da Assembleia Estadual, o que é bastante desconcertante para mim", disse Antoine Heuty, da ONG Revenue Watch Institute, patrocinada por George Soros, que mantém um projeto de fiscalização orçamentária aqui no Estado de Bayelsa.
Na Escola Primária da Comunidade Okaka, em Bayelsa, uma lâmpada está pendurada em uma sala de aula, e faltam gigantescos pedaços de reboco na passarela coberta que protege os alunos das frequentes chuvas. Nem uma só escola de Yenagoa foi reformada, disse Wisdom Wilson, do Instituto de Auxílio para a Boa Governança e o Desenvolvimento Sustentável.
Alagoa Morris, da ONG Ação dos Direitos Ambientais em Yenagoa, disse: "Desde a volta da democracia, as pessoas não viram nenhum dividendo físico".


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