São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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Análise

Peter S. Goodman

Fracasso oferece lições que o Japão gostaria de esquecer

Para os americanos, o fracasso tende a ser considerado uma característica intrínseca de um sistema econômico em que a aceitação de riscos muitas vezes traz grandes recompensas.
Em comparação, no Japão, o fracasso tradicionalmente encerra um estigma profundo, uma vergonha duradoura que limita o apetite pelo risco, na opinião de muitos observadores culturais do país. Isso torna os japoneses muito menos complacentes com opções que aumentam a perspectiva de fracasso, mesmo que elas prometam maiores ganhos potenciais.
Governos japoneses recentes tentaram incutir uma maior tolerância ao fracasso para injetar nova vida em uma economia há muito estagnada. O governo de Tóquio chegou a criar uma Associação para o Estudo do Fracasso, que se destinava a "transformar a experiência em conhecimento".
Mas, em 30 de agosto, os diferentes conceitos culturais dos EUA e do Japão saltaram à vista, quando os eleitores japoneses enfaticamente rejeitaram o partido que governou o país quase ininterruptamente por 54 anos. Os resultados tinham uma mensagem palpável: chega de fracasso.
Nas duas décadas desde que o Japão evoluiu de uma supostamente indomável potência econômica na década de 1980 para uma economia estagnada, mergulhada em uma "década perdida", o país tentou inúmeras reformas para revigorar sua economia. Fez tentativas de eliminar os empréstimos ruins do sistema bancário e pôr fim às negociações internas que definiam a cultura empresarial japonesa. Tentou reduzir as obras públicas financiadas pelo governo, uma grande fonte de empregos.
Mas, durante o tempo todo, o Japão continuou economicamente atrasado, uma sombra do país que antes havia causado fortes temores de um predomínio global japonês. Apesar da dor da reforma, o Japão nunca parecia receber os benefícios.
Muitos economistas afirmam que o Japão nunca se livrou da ressaca dos excessos especulativos imobiliários que abasteceram os anos 80 porque nunca se reformou realmente. Permitia-se que empresas "zumbis" deficitárias continuassem recebendo novos créditos. Bancos insolventes eram poupados do colapso porque eram considerados "grandes demais para falir".
Não obstante, entre as pessoas comuns dominava a sensação de que as reformas eram ao mesmo tempo duras e ineficazes. Entre as tentativas de conter os gastos do governo e pressionar os bancos a eliminar clientes que davam prejuízo, os trabalhadores japoneses conheceram a humilhação do desemprego, e as empresas japonesas enfrentaram a vergonha de falir. Mais que um fato econômico, isso rasgou o tecido da vida japonesa.
Em Nakano, cidade que floresceu com a construção civil na década de 1980, houve desconfiança sobre a trajetória das reformas enquanto o premiê reformista do Japão, Junichiro Koizumi, pressionava para limpar os bancos dos empréstimos ruins. A imprensa advertia para as falências de empresas que isso provocaria.
"Não vejo como a economia vai melhorar se você fechar uma grande companhia e demitir pessoas", disse uma dona de casa de 37 anos cujo marido trabalhava na gigante da eletrônica Fujitsu. Seu salário tinha sido cortado em 20%. A força de trabalho local havia sido reduzida à metade.
Quando os eleitores japoneses foram às urnas, não pareceram tanto aprovar uma política econômica coerente quanto rejeitar uma aparentemente falida. O Partido Democrata do Japão (PDJ), hoje no governo, ganhou votos com vagas promessas de subsídios e proteção ao emprego.
Em última instância, o voto pareceu assinalar o veredicto japonês de que o abraço ao fracasso, afinal, havia se mostrado um fracasso, preferindo o conforto de tentar atravessar as dificuldades.


Peter Goodman atuou quase dez anos como jornalista na Ásia



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