São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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Planeta em mutação

Derretimento de geleiras leva preocupação à Bolívia

Ángel Franco/The New York Times


Por ELISABETH ROSENTHAL

EL ALTO, Bolívia — Quando a torneira diante de sua casa de paredes de barro secou, em setembro, Celia Cruz deixou de fazer sopas e reduziu a lavagem das roupas de sua família de cinco pessoas. Começou peregrinações diárias até bairros mais ricos, na esperança de encontrar água ali.
Embora viva em sua casa há uma década e seu marido, operário da construção, ganhe um salário decente, o dinheiro não pode comprar água. “Estou pensando em me mudar de volta para o campo. O que mais posso fazer?”, disse Cruz, 33.
As geleiras que há muito tempo fornecem água e eletricidade a essa região da Bolívia estão derretendo e desaparecendo —segundo a maioria dos cientistas, vítimas do aquecimento global.
Se os problemas de água não forem resolvidos, El Alto, cidade pobre vizinha a La Paz, talvez se torne a primeira grande vítima urbana das mudanças climáticas. Um relatório de 2008 do Banco Mundial concluiu que em 20 anos as mudanças climáticas irão eliminar muitas das geleiras dos Andes, pondo em risco a vida de quase 100 milhões de pessoas.
Para os quase 200 países que participaram da cúpula do clima em Copenhague, a questão de como fazer frente às necessidades de países como a Bolívia é um dos maiores dilemas. No último dia 11, a União Europeia assumiu o compromisso inicial de pagar US$ 3,5 bilhões por ano durante três anos para ajudar os países pobres a enfrentar a situação —mas economistas projetam o custo total em US$ 100 bilhões ou mais.
Com suas catástrofes recentes induzidas pelas mudanças climáticas, a Bolívia se tornou uma voz irada erguida em nome dos países pobres. “Temos um problema muito sério, e nem mesmo dinheiro o resolverá por completo”, disse Pablo Solón, embaixador boliviano junto às Nações Unidas. “O que você faz quando sua geleira desaparece ou sua ilha é submersa?”
As geleiras que cercam as cidades sempre garantiram reservas de água a baixo custo, guardando água na estação chuvosa e liberando-a para uso da população e geração de eletricidade durante a estação seca. Com a elevação da temperatura e as mudanças no regime de chuvas, elas estão deixando de fazê-lo.
Cientistas dizem que dinheiro e engenharia poderiam resolver os problemas de água de Laz Paz-El Alto, com obras que incluiriam um reservatório. Mas “um reservatório levaria até sete anos para ser construído. Não sei se temos tanto tempo”, rebateu o glaciologista boliviano Edson Ramírez, que há 20 anos documenta o recuo das geleiras. Esse recuo tem ocorrido mais rapidamente do que ele pensava. Ramírez tinha previsto que uma geleira, a Chacaltaya, duraria até 2020. Ela desapareceu neste ano.
Mas o aquecimento global não é o único culpado das dificuldades crônicas da Bolívia. O abastecimento de água na zona urbana também é prejudicado pelo crescimento da população e pela má administração, em parte porque existe pouco dinheiro para administrar qualquer coisa, mas também porque o governo nacionalizou a companhia de água alguns anos atrás, tendo declarado a água um direito humano. El Alto ainda não conta com um técnico em tempo integral que seja responsável pelo setor.
“Estas populações [já] vivem no limite da sobrevivência. Acrescenta-se o estresse adicional das mudanças climáticas, e o resultado são problemas sociais enormes”, disse Dirk Hoffmann, chefe do programa de mudanças climáticas da Universidade Mayor de San Andrés, em La Paz. “O risco é de conflito. Haverá convulsão social.”
De fato, quando as torneiras secaram no bairro de Celia Cruz, o Distrito Solidariedade, em El Alto, os moradores ricos de La Paz ainda tinham água. Em um país que vem se unindo em torno de um discurso socialista e dos direitos dos indígenas, houve protestos. “O sentimento de injustiça é palpável”, disse Edwin Chuquimia Vélez, funcionário público em El Alto.
Em Khapi, povoado a duas horas de carro de La Paz, as pessoas veem a geleira Illimani como “nosso Deus, nosso grande protetor”, contou Mario Ariquipa Laso, 55, fazendeiro que cultiva batatas e milho nas encostas à sombra da geleira. Dez anos atrás, a geleira fornecia um fluxo de água contínuo durante os meses de seca, garantindo a rega das plantações. Hoje, com o Illimani recuando, o que sai da geleira é uma água amarelada, em pouco volume.
Nos últimos anos, a vida dos bolivianos vem sendo fustigada por uma sequência quase bíblica de eventos climáticos extremos, muitos dos quais, acreditam os cientistas, provavelmente estão ligados às mudanças climáticas. Neste ano, houve temperaturas abrasadoras e sol intenso. Uma seca matou 7.000 animais e deixou quase 100 mil doentes.
Os países desenvolvidos concordam que têm a obrigação de ajudar a aliviar esses problemas, mas muitos continuam a hesitar em liberar verbas, em parte porque os países em desenvolvimento têm poucos planos concretos para fazer frente aos problemas. Mas, com pouco dinheiro ou conhecimento tecnológico, fica difícil planejar um novo reservatório gigante ou um sistema para a transferência de água por todo o país. Edwin Torrez Soria, engenheiro que trabalha com vilarejos próximos à geleira Illimani, diz que os pobres da Bolívia “não são responsáveis pelo que está acontecendo com a geleira, mas são os que sofrem mais com seus efeitos. E o governo não parece ter um plano concreto”.


Colaborou Jean Friedman-Rudovsky, de El Alto, Bolívia


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