São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

Próximo Texto | Índice

Análise

Choque de identidades

Pleito no Oriente Medio opõe reforma a religião

Nasser Nasser/Associated Press
A corrida presidencial no Irã provocou tumulto

Os eleitores no Líbano e no Irã foram às urnas nas últimas semanas para escolher entre candidatos com propostas muito diferentes, mas, o que é ainda mais fundamental, maneiras diferentes de definir a identidade nacional.
"Identidade" é uma coleção de ideias e características que definem como vemos a nós mesmos como indivíduos e como parte de um grupo. Criar uma identidade nacional unificada, especialmente em Estados de grande diversidade, é um passo em direção à união, à estabilidade e -para os líderes- ao controle.
No Líbano e no Irã, esse desafio continua sendo o subtexto de quase toda tensão e é o combustível que queimou com intensidade durante as disputas parlamentares no Líbano e presidencial no Irã.
"Nunca houve um momento em nossa história em que concordamos sobre a identidade do país", disse Ibrahim Moussawi, porta-voz do Hizbollah em Beirute, antes da eleição de 7 de junho.
Mas, quando a aliança do Hizbollah perdeu, o grupo ofereceu palavras conciliadoras e aceitou trabalhar com a maioria. Isso foi possível porque as pessoas consideraram a votação legítima e entenderam que essa disputa não representava uma ameaça à sua existência. O perdedor ainda teria uma influência na condução do Estado e na definição da identidade.
Isso contrasta com o Irã, onde a política se tornou uma disputa na qual o vencedor leva tudo. Após o pleito, as ruas explodiram de raiva não apenas por acreditar que os resultados foram fraudulentos, mas por causa de um desacordo fundamental sobre a identidade da nação e sua população, segundo especialistas. "O Irã de [Mahmoud] Ahmadinejad é uma república islâmica, antiocidental", disse Amr Hamzawi, associado ao Centro Carnegie para o Oriente Médio em Beirute. "[Os reformistas] têm uma visão mais voltada para reformas da sociedade, na qual a religião não deveria mais emoldurar a vida cotidiana dos iranianos em todos os aspectos."
Na política do Oriente Médio, a identidade é muitas vezes definida por quem é o inimigo. Nas corridas presidencial do Irã e parlamentares do Líbano houve basicamente dois lados, um pró-Ocidente e outro contra.
Os aliados do Ocidente tendem a ver espaço para mais liberdades individuais. Os adversários têm uma visão religiosa mais fundamentalista e veem os indivíduos como mais submissos. "É preciso cimentar a identidade do país, identificar seus defensores e seus inimigos", disse Moussawi.
No Irã, isso significa permitir que rapazes e garotas se sentem juntos nas lanchonetes, ou não. Significa permitir que as mulheres fumem cigarros, ou não. Significa fazer parte dos mercados financeiros globais, ou não.
"Foi uma batalha sobre a identidade de dois países, e também de toda a região, entre ideias liberais e conservadoras", disse Hamzawi sobre a eleição presidencial iraniana. Em todo o Oriente Médio, identidades concorrentes criam tensões -do Egito, que luta entre o islamismo, o nacionalismo e vestígios de pan-arabismo, à Arábia Saudita, onde se chocam a modernidade e uma corrente profundamente conservadora do islamismo.
No Líbano, o Hizbollah pretendia reforçar sua "cultura da resistência" na identidade nacional. "Há princípios que não podemos negociar", disse Moussawi. Embora o Hizbollah represente o maior e mais poderoso eleitorado, ele compreende que a estabilidade e a prosperidade exigem coalizões e compromissos. O governo final, sob o sistema bizantino do Líbano, terá inevitavelmente representantes da maioria e da minoria.
Mas no Irã não haverá espaço para reformistas no governo e, talvez mais importante, menos espaço para ideias de reforma na vida dos indivíduos. "No Irã a política sempre foi um jogo de ganhar ou perder -você entra e eu tenho de sair, não podemos formar coalizões", disse um cientista político iraniano que pediu anonimato.
A Revolução Islâmica, em 1979, uniu religiosos e seculares em oposição ao xá e recorreu ao islamismo político para forjar uma forte identidade em conflito com um novo inimigo: os EUA. Com o tempo, porém, conforme o Estado amadureceu -e com o fim da Guerra com o Iraque (1980-88)-, começou a surgir uma identidade concorrente, mais pragmática e alinhada à crescente população de jovens.
A tensão entre essas identidades conflitantes aumentou desde então. Hoje, as pessoas estão nas ruas no que talvez seja mais uma disputa total pelo futuro do Estado. Mas isso não quer dizer que os dois lados atingiram um ponto sem retorno. "Embora possa ser difícil conciliar as duas orientações ideológicas, não devemos esquecer que todos estão no mesmo barco e vêm do mesmo sistema", disse Trita Parsi, escritor e fundador do Conselho Nacional Iraniano-Americano. "O colapso total do sistema seria uma derrota para ambos. Se este será forte o suficiente para permitir que eles encontrem um terreno comum, é outra questão."


Próximo Texto: Lente: A ascensão do jornalismo "faça você mesmo"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.