São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Ciência & Tecnologia

Exame genético detecta corredores natos

Por JULIET MACUR

BOULDER, Colorado - Quando Donna Campiglia soube, recentemente, que um exame genético poderia determinar as aptidões esportivas do seu filho Noah, 2, interessou-se imediatamente em saber onde poderia encontrar esse procedimento e quanto custaria.
"Imagino que algumas pessoas podem achar que o exame vai enclausurar seu filho, levando-o a fazer menos esportes ou a se expor a menos coisas, mas ainda assim acho bom adequá-lo à atividade correta", disse Campiglia, 36, enquanto via Noah tentando cumprir as orientações do técnico numa aula de futebol para bebês, em Boulder.
"Acho que [o exame] evitaria muitas frustrações dos pais", acrescentou ela.
Em Boulder, onde há grande interesse por esportes e saúde, a Atlas Sports Genetics está se aproveitando das obsessões familiares e oferecendo um teste de US$ 149 que visa a indicar as habilidades atléticas naturais de cada criança. O processo consiste em submeter uma amostra de DNA -obtido nas mucosas bucais- a uma análise do ACTN3, um dos mais de 20 mil genes humanos.
O objetivo é determinar se a pessoa se sairá melhor em esportes de velocidade e força, como as corridas de curta distância ou o futebol americano, ou em modalidades de resistência, como as corridas de fundo, ou então em uma combinação de ambos. Um estudo de 2003 descobriu a ligação entre o ACTN3 e essas habilidades esportivas.
Atualmente, o DNA é analisado para determinar a predisposição a doenças, mas especialistas questionam a comercialização desse exame como sendo um primeiro passo para o direcionamento esportivo de uma criança, o que alguns pais consideram um atalho para uma bolsa universitária ou uma carreira como atleta profissional.
Executivos da Atlas admitem que o exame tem limitações, mas dizem que ele é capaz de fornecer orientações para as práticas esportivas infantis. A empresa recomenda o exame para crianças de até oito anos porque, nessa faixa etária, as avaliações físicas são pouco confiáveis.
O exame de ACTN3 produzido pela australiana Genetic Technologies já está disponível desde 2004 na Austrália, na Europa e no Japão e agora chega aos EUA por meio da Atlas.
Stephen Roth, diretor do laboratório de genômica funcional da Escola de Saúde Pública da Universidade de Maryland, que estuda o ACTN3, disse que o teste deve se popularizar. Mas expressou reservas. "Acho míope a idéia de que um ou dois genes contribuiriam para os Michael Phelps e os Usain Bolts do mundo, porque é muito mais complexo do que isso", afirmou ele, acrescentando que já foram identificados pelo menos 200 genes que afetariam o desempenho atlético.
Roth admitiu que o ACTN3 é uma das novidades mais importantes desse campo, mas sugeriu que qualquer teste relativo a esse gene encontraria o seu melhor uso apenas em atletas de ponta, na busca por treinamentos personalizados.
O estudo que identificou a correlação entre o ACTN3 e o desempenho esportivo de elite foi publicado em 2003 por pesquisadores radicados principalmente na Austrália. Esses cientistas examinaram combinações genéticas, com uma cópia fornecida por cada genitor. A variante R do ACTN3 instrui o corpo a produzir uma proteína, a alfa-actinina-3, encontrada especialmente nas fibras musculares rápidas, responsáveis pelas contrações repentinas e fortes, necessárias em esportes de velocidade e força. A variante X impede a produção da proteína.
Kevin Reilly, presidente da Atlas Sports Genetics e ex-técnico de halterofilismo, já prevê que o teste desperte polêmica. Segundo ele, algumas pessoas temem que leve a "um ressurgimento da eugenia, similar ao que fez Hitler na tentativa de criar uma raça de atletas perfeitos".


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