São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

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Dinheiro & Negócios

"Paradoxo da parcimônia" atrapalha recuperação

David Leonhardt
cenário econômico

Nos últimos anos, o consumidor americano gastou demais. Comprou casas demais, assumiu dívidas demais e em geral viveu além de seus meios. A liberalidade dos gastos contribuiu para a pior crise financeira desde a Grande Depressão.
E agora ele tem de fazer sua parte para acabar com a crise. Como? Gastando. Chega dessa poupança que tantos americanos de repente começaram a fazer. Neste exato instante, o Congresso e o presidente Barack Obama se preparam para oferecer uma restituição tributária para inspirar a população a gastar.
John Maynard Keynes, grande economista do século 20, teria apreciado o aparente absurdo dessas mensagens ambíguas. Ele cunhou um termo, "paradoxo da parcimônia", para explicar que aquilo que é racional para um indivíduo durante tempos difíceis -poupar- pode ser devastador para a economia como um todo. Afinal, muitos poupadores podem acabar sem emprego porque outras pessoas também estão poupando. Em recente entrevista coletiva, Obama evitou responder a uma pergunta sobre se as pessoas deveriam gastar ou poupar a restituição.
Felizmente, porém, há uma resposta. A primeira parte envolve descobrir como gastar agora para poupar depois -o que pode erguer a economia hoje e ajudar as famílias a lidarem em longo prazo com suas combalidas finanças. A segunda parte consiste em perceber que o paradoxo de Keynes não é tão férreo. Numa crise, quando os bancos podem precisar tanto de capital quanto o varejo precisa de vendas, muita gente pode poupar sem culpa.
Além de ter desenvolvido a receita mais famosa para curar crises, Keynes também pode ser considerado o padrinho da economia comportamental, conforme escreveu recentemente o colunista David Ignatius. Enquanto outros economistas ficavam obcecados com modelos estatísticos que tratavam as pessoas como autômatos hiper-racionais, Keynes escreveu sobre "espíritos animais". Ele ajudou a explicar como a psicologia moldava a economia.
A economia comportamental decolou nas últimas duas décadas, e uma das suas descobertas centrais é que a maioria das pessoas não se planeja bem para o futuro. Não são nem de perto tão legais com o seu "futuro ser", como dizem os economistas, quanto são com o seu "presente ser".
Elas comem um doce a mais e adiam a ginástica para amanhã. Deixam de guardar o suficiente para a aposentadoria.
Esses hábitos provocam problemas. Mas também representam uma oportunidade num momento destes. A maioria das pessoas poderia poupar um bom dinheiro mais tarde se gastasse um pouco agora para cuidar do seu futuro ser.
Com a ajuda de economistas comportamentais, montei uma listinha de exemplos. Pais de bebês podem pagar para aderir a um programa de descontos numa grande loja, e a taxa de adesão seria compensada em poucos meses de compras de fraldas.
Quem não se importa de ler em telas pode comprar o novo leitor de livros eletrônicos Kindle, da Amazon. Custa US$ 359, mas a maioria dos livros a partir daí sai por menos de US$ 10. Famílias que fazem compras financiadas deveriam se segurar temporariamente e então comprar móveis e eletrônicos à vista. Quem tira muitas cópias a laser poderia comprar uma impressora que usa só 1 ou 2 cents de tinta por página (muitas usam bem mais).
Nesses casos -e sem dúvida em muitos outros- o investimento inicial tende a se pagar rapidamente. Por isso tais gastos são perfeitamente adequados ao momento. Eles mantêm pessoas empregadas e criam novos empregos quando a economia precisa de ajuda. Mas também irão reforçar as finanças domésticas.
O grande senão é que algumas pessoas sentem que não podem abrir mão de US$ 50 ou US$ 100 extras atualmente. Milhões de trabalhadores já perderam seus empregos, e muitos outros simplesmente querem reduzir despesas. Em dezembro, as famílias pouparam uma média de 3,6% da sua renda disponível, bem acima do 1% nos últimos anos.
Numa recessão normal, essa poupança adicional teria um lado negativo muito maior que o positivo, conforme Keynes explicou. Mas esta recessão é diferente. Foi causada por uma crise financeira. Se os americanos não melhorarem suas finanças, os bancos continuarão com medo de emprestar, e a recessão vai se prolongar. Ainda mais imediatamente, os bancos precisam colocar suas próprias finanças em ordem.
Quando esta recessão finalmente chegar ao fim, nossos seres futuros terão algumas contas enormes a pagar. Precisarão de toda a ajuda que lhes pudermos dar.


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