São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

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Diário de Olhão

Portugueses vendem o mar, sem a água


Sal "gourmet" da Europa compete com variedades exóticas globais

Por ELAINE SCIOLINO

OLHÃO, Portugal - No começo da década de 1990, o recém-formado microbiólogo João Navalho chegou às salinas do Algarve com um punhado de jovens sócios interessados em cultivar microalgas para produzir um corante natural laranja, destinado ao promissor mercado da alimentação orgânica.
Mas o negócio naufragou, e os 15 hectares de salinas viraram depósito de lixo para os moradores deste pedaço do sudoeste de Portugal. Após anos de frustrações, os sócios de repente mudaram de rumo.
"Olhamos ao redor e dissemos: 'Somos estúpidos!'", lembrou Navalho. "Temos bastante terreno aqui. O que deveríamos fazer com as salinas é produzir sal!"
Procuraram entre os moradores mais antigos alguém que lembrasse como recolher o sal manualmente, igual se fazia antes que a industrialização tornasse o produto barato e abundante, levando as pequenas salinas a caírem em desuso.
A resposta estava bem diante deles. À beira da área alagada vivia Maximino António Guerreiro, salineiro aposentado que havia mais de quatro décadas começara a coletar sal ali, junto com o pai.
Em 1997, o empreendimento começou. Guerreiro limpou e reconstruiu a colcha de tanques retangulares, divididos por muretas de argila. Com jovens operários do Leste Europeu, abriu valas do mar até a salina e montou um sistema de barragens para controlar o fluxo de água. Compartilhou os segredos do sal: como medir os níveis de evaporação e determinar a densidade correta do sal e a temperatura adequada da água; quando acrescentar água, quando raspar o fundo e quando coletar a superfície.
"Tive de deixar a escola aos 14 anos, para ajudar meu pai a fazer sal todos os dias, e então o trabalho desapareceu. Agora, voltamos a fazer o sal branco mais belo do mundo."
Dois anos depois, a Necton, nome da salina criada por Navalho, produziu sua primeira "safra" de sal. Hoje, essa empresa e outros pioneiros lutam para recuperar um setor outrora próspero nesta região. Eles tentam convencer os consumidores dos benefícios do sal artesanal para a saúde e o paladar e competir num mercado global cada vez mais sofisticado.
"Vendemos a água salgada do oceano, mas sem a água", disse Navalho. "Pode chamar de mar em pó."
Para muita gente, sal é sal. Mas, para quem o vê como um condimento "gourmet", poucas variedades se comparam à flor de sal, obtida recolhendo-se delicadamente a película branca e rendada que se forma na superfície dos tanques de evaporação.
O sal "gourmet" europeu tem de competir com sais exóticos de todo o mundo, inclusive do sal rosa do Himalaia, colhido a altitudes superiores a 3.000 metros; um sal sul-coreano que é torrado em bambu; e o Alaea havaiano, que deve sua cor vermelha a uma certa argila.
Mas a Necton tem planos maiores. Navalho começou a cultivar a salicórnia, uma planta exótica com pequenos ramos carnudos, salgados e de cor verde escura, usada em saladas. Ele espera montar um refúgio para aves selvagens da região. Tenta também atrair turistas para visitarem a salina e o pequeno espaço ainda dedicado ao cultivo de algas.
E Navalho, nascido em Moçambique, pretende ampliar suas operações para a África, restaurando algumas das salinas construídas há 300 anos pelos portugueses. Antes, porém, precisa convencer seus clientes a pensarem no sal de um jeito diferente.
"As pessoas podem querer dirigir uma Ferrari, mas não podem comprá-la", disse ele. "Mas elas podem comprar o melhor sal do mundo."


Colaborou Basil Katz, de Paris


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