São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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INTELIGÊNCIA / ORI BRAFMAN

Raízes do extremismo


A Al Qaeda ganha espaço nas favelas africanas

As notícias sobre violência crescente na Irlanda, a turbulência incessante em Gaza e relatos sobre jovens somalis que retornam dos EUA para seu país para ingressar em células terroristas me fazem recordar um encontro que tive numa sala de conferências de um hotel em Johannesburgo.
Depois do 11 de Setembro, eu cofundei uma rede de executivos-chefes que trabalham sobre questões relativas à paz, a partir da ideia de que os líderes empresariais possuem um conjunto de habilidades específicas que podem ser úteis na resolução de conflitos.
Convidamos executivos de todo o mundo a se reunirem e proporem ideias de projetos nos quais trabalhar. O maior desafio foi encontrar alguém da África.
Quando por fim encontramos um participante, ele se dispôs a comparecer à reunião, mas impôs uma condição: "Você terá que me visitar na África do Sul depois disso". Foi assim que, no final de 2002, eu me vi em Johannesburgo, diante de alguns dos mais importantes executivos da cidade, propondo a eles a ideia de se envolverem na resolução de conflitos e na promoção do entendimento intercultural.
As reações foram positivas. As pessoas pareciam intrigadas pela proposta. Quando começaram os bate-papos após o evento, fui abordado por um homem que não parecia enquadrar-se no grupo de executivos trajando Armani. Sua fala era um pouco apressada, suas roupas, um pouco bizarras.
O habitual é, nesse tipo de evento, cumprimentar-se com um aperto de mãos, trocar cartões de visitas, jogar um pouco de conversa fora e passar para outra pessoa. Mas esse sujeito evidentemente tinha uma missão a cumprir. Ele me encurralou num canto e disse: "Se você quer trabalhar para a paz na África, precisa trabalhar com a pobreza". Assenti com a cabeça.
"Não, não, você não está entendendo. Se você quer atuar aqui na África, não adianta falar com pessoas em hotéis. Vá visitar as favelas urbanas, como Mathare e Kibera, no Quênia."
Ele era tão entusiasmado quanto insistente. Deu-me o telefone de uma mulher em Nairóbi. De alguma maneira -ainda não sei bem como-, algumas horas depois eu estava num avião a caminho do Quênia.
A pobreza naquelas favelas é algo difícil de descrever. Não havia água nem luz elétrica, e os esgotos corriam a céu aberto. Enquanto nosso grupo caminhava pelas ruas, o guia apontou para alguns homens numa viela. "É gente da Al Qaeda", disse ele, quase casualmente.
De volta ao hotel, pensei nas favelas como lugar de procriação de células terroristas. Não é que as pessoas que vivem nelas tendam ao extremismo ou à violência. A razão é muito mais simples: se você não tem oportunidades econômicas, ingressar numa organização terrorista parece atraente. Entre outras razões porque é um trabalho.
As pessoas que trabalham no combate à pobreza costumam atuar no setor sem fins lucrativos. Mas, quando encaramos a situação econômica global, precisamos refletir se não estamos deixando de levar em conta uma parte importante do quadro geral.
Sim, é verdade que os bancos precisam se reerguer. Sim, precisamos rearmar os mercados de crédito. Mas talvez a maior oportunidade oferecida pelo socorro global seja a de investir seriamente no desenvolvimento econômico -não apenas como esforço beneficente, mas como política de segurança.


Ori Brafman é coautor de "Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior". Envie seus comentários para brafmans@nytimes.com


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