São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2011

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LENTE

Fome de vingança

Simon Wiesenthal, que sobreviveu aos campos de extermínio hitleristas para se tornar o mais tenaz dos caçadores de nazistas, ressaltava que sua busca era "por justiça, não por vingança". Seja como for, era uma doce sensação.
O biógrafo Tom Segev escreveu que a visão de ex-oficiais da SS algemados enchia Wiesenthal "de uma euforia como a evocada pelo culto ao divino".
Isso pode se aplicar a quem festejou no começo do mês a morte de Osama bin Laden. E poucos, provavelmente, se importaram quando a revista francesa "L'Express" argumentou que "gritar de alegria nas ruas das nossas cidades é macaquear os bárbaros de turbante que dançaram na noite de 11 de setembro [de 2001]".
Mas, então, qual seria a reação adequada? Opiniões não faltam.
A colunista Maureen Dowd, por exemplo, escreveu no jornal "The New York Times" que as pessoas que se alegraram pela morte eram "o contrário de sanguinárias: elas estavam felizes pelo fato de que uma das figuras mais afiançadamente más da nossa época não existe mais".
Elas estavam também sendo humanas. Benedict Carey, do "Times", citou pesquisas que sugerem que tais celebrações expressam instinto primitivo e coletivo. Michael McCullough, psicólogo da Universidade de Miami, disse a Carey que "a vingança evoluiu como uma dissuasão para impor um custo às pessoas que ameaçam a comunidade [...] e, nesse sentido, é uma reação muito natural".
Ainda assim, alguns desejam se elevar acima do nosso apetite natural por retaliação e se espelham no dalai-lama, que pediu compaixão por Bin Laden.
"O antídoto para a vingança não é a vingança", defende o ginecologista palestino Izzeldin Abuelaish, que perdeu três filhas em um ataque israelense. Abuelaish, que escreveu o livro "I Shall Not Hate" [não odiarei], disse ao "Times": "Se eu quiser me vingar, isso não resultaria na devolução das minhas filhas".
Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel da Paz, disse ao "Times" que Abuelaish, realmente, compreendeu que "o ódio odeia tanto a vítima quanto quem odeia". "É preciso não esquecer", acrescentou, "mas sem usar a lembrança contra outros inocentes".
Claro que há uma distinção entre a vingança indiscriminada contra inocentes e a justiça para os assassinos. Wiesenthal imaginava que, se encontrasse no céu as vítimas dos nazistas, ele lhes diria: "Eu não me esqueci de vocês".
Wiesenthal morreu em 2005, depois de ajudar a prender centenas de criminosos de guerra. Ele não viveu para ver a mais recente e possivelmente última condenação de um nazista. Em 1993, um tribunal israelense concluiu que John Demjanjuk não era o guarda particularmente cruel de Treblinka conhecido como Ivã, o Terrível, e ele foi solto. Mas, em 13 de maio último, um tribunal alemão determinou que Demjanjuk, 91, é culpado por seu papel como guarda em outro campo de extermínio, o de Sobibor, e o sentenciou a cinco anos de prisão.
Seja por vingança ou por justiça, as vítimas de Demjanjuk não pareceram preocupadas com a baixa patente dele.
"Ele é um peixe muito pequeno", disse ao "Times" Rudie Cortissos, cuja mãe morreu em Sobibor. "Mas, seja você uma baleia ou uma sardinha, alguém que cometeu erros desse jeito deve ser punido."

KEVIN DELANEY
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