São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2011

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Ascensão islâmica preocupa o secularismo tunisiano

Por SCOTT SAYARE
TÚNIS - Acusados de subversivos ou terroristas, eles sofreram o peso principal da repressão no reinado do ditador tunisiano -vinte anos de tortura, prisão e exílio.
Mas, desde a fuga do ditador em questão, o presidente Zine el Abidine Ben Ali, em janeiro, os islâmicos do Partido Ennahda, antes proscrito, emergiram da obscuridade e se firmaram como possivelmente a força mais poderosa na Tunísia pós-revolucionária.
Apesar de reiteradas declarações de sua tolerância e moderação, sua ascensão desencadeou rumores de ataques contra artistas e mulheres sem véu. Com eleições cruciais marcadas para 24 de julho, a popularidade e a força organizacional do Ennahda são motivos de preocupação crescente para muitos ativistas e políticos, que temem que a revolução secular neste Estado moderado -a revolta que desencadeou a primavera árabe- possam levar ao surgimento de um governo islâmico conservador.
Analistas políticos enxergam a Tunísia como indicador de tendências dos fatos de influência mais ampla que estão por vir no Egito, onde a Irmandade Muçulmana vem suscitando receios semelhantes.
"Como vocês imaginam que possamos resistir ao Ennahda?" indagou um exasperado estrategista da Aliança Republicana, um partido secular. "O Ennahda está preparado para qualquer coisa."
O estrategista defende o adiamento das eleições. "O dia 24 de julho é um favor ao Ennahda", disse. "É suicídio." Com o Ennahda no poder, "isto viraria um Irã."
O Ennahda diz que esses receios são infundados. "Desejamos uma sociedade livre, aberta e moderada, onde os cidadãos tenham direitos iguais", disse Abdallah Zouari, um porta-voz do partido, que, segundo ele, pede direitos iguais para homens e mulheres, muçulmanos e não muçulmanos.
"Não estamos de acordo com os secularistas que querem forçar outros ao secularismo", disse Zouari, "do mesmo modo como somos contrários aos salafistas que objetivam forçar outros ao islamismo."
As pesquisas de opinião sugerem que o Ennahda -o nome significa "renascimento" em árabe- tenha apoio maior dos eleitores que qualquer outro dos cerca de 60 partidos políticos. A eleição de julho criará assembleia encarregada de reescrever a Constituição.
As desconfianças em relação ao partido permanecem amplas. "Eles estão falando em novilíngua, e todo o mundo sabe disso", disse Ibrahim Letaief, apresentador de um programa da rádio Mosaique FM. Para ele, o Ennahda só vem abrandando seu discurso para conseguir mais votos.
Dos 10,6 milhões de habitantes do país, 98% são muçulmanos. A religião é ensinada nas escolas. Mas líderes religiosos nunca exerceram papéis no governo.
Habib Bourguiba, o pai da independência tunisiana e primeiro presidente, foi um secularista ferrenho que proibiu a poligamia, legalizou o aborto e tomou suco de laranja na TV durante o jejum do Ramadã a fim de afrontar os fiéis.
O Ennahda prometeu manter as reformas sociais de Bourguiba, tendo votado em favor de uma regra que requer números iguais de homens e mulheres nas listas de candidatos eleitorais de julho. Líderes do partido comparam o Ennahda ao tolerante partido islâmico que governa a Turquia.
Outros grupos islâmicos tunisianos rejeitam o Ennahda por ser excessivamente secular, e muitos analistas veem o partido como sendo nitidamente moderado.
Mesmo assim, o Ennahda teme que muitos tunisianos tenham renunciado "à identidade árabe-muçulmana", disse Zouari. O partido é forte no interior pobre da Tunísia, fato que constitui um reflexo do abismo cultural que separa a "elite extremamente ocidentalizada" em Túnis e outras cidades costeiras -muitos membros da elite viviam muito bem sob Ben Ali- do restante do país, disse Kader Abderrahim, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas em Paris.
"A questão", disse Abderrahim, é se a elite "está disposta a aceitar que exista uma parte da população que vive de maneira diferente e tem outras convicções." A estabilidade política "não existirá sem os islâmicos", disse ele.
Nour Ayari, 19, disse que votará no Ennahda. Ayari, que vende caixas de prata de casamento na barraca de sua família no bazar Blaghjia, trajava um diáfano "hijab" branco -véu proibido por Ben Ali, mas legalizado após sua partida. Hoje, as mulheres também podem aparecer de véu em fotos oficiais. "É graças ao partido", disse ela, aludindo ao Ennahda.
Ayari rejeitou os receios de que o partido possa estar ocultando intenções fundamentalistas por trás de uma fachada moderada. "Por que eles quereriam mudar seu discurso depois?", questionou. Para ela, os adversários do Ennahda ainda possuem "um reflexo de medo" instilado durante o regime de Ben Ali. Abderrahim, o pesquisador, descreveu isso como "paranoia".

Com reportagem de David D. Kirkpatrick, do Cairo



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