São Paulo, segunda-feira, 23 de maio de 2011

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Na Irlanda, sucesso econômico é triste lembrança

"É como comprar bilhete da loteria do inferno", diz irlandês

Por LIZ ALDERMAN
DROGHEDA, Irlanda - Brian e Rose Condra estão entre centenas de milhares de irlandeses que, nos últimos anos, começaram a se aproximar dos seus vizinhos europeus e, eventualmente, ultrapassaram muitos deles. Mas hoje, depois de uma queda surpreendente alimentada por colapso bancário, a economia voltou para onde estava em 2005, antes que a bolha habitacional provocasse crescimento frenético.
"Os últimos vários anos de crescimento na Irlanda foram apagados", disse Constantin Gurdgiev, um economista do Trinity College em Dublin.
Para muitos irlandeses, é como se o boom nunca tivesse acontecido. E alguns daqueles que flutuaram durante os bons tempos se veem escorregando ainda mais para trás.
"É como se tivéssemos comprado um bilhete da loteria do inferno", disse Condra, que só tem dois pares de sapatos, segundo ele, para conseguir suprir as necessidades dos filhos.
Beneficiando-se dos anos de baixas taxas de juros que se seguiram à criação da zona do euro em 1999, a Irlanda desfrutou de um dos maiores surtos de crescimento da Europa. Mas desde então, a atividade econômica por pessoa ajustada pela inflação caiu cerca de 18%.
Como parte do esforço da Irlanda para pagar sua imensa dívida e socorrer os bancos, os salários dos Condra em seus empregos públicos como funcionários de hospitais foram cortados em 20% em dois anos. Além disso, o Banco Central, pela primeira vez em três anos, está aumentando as taxas de juros, o que elevará os custos dos empréstimos feitos sobre as hipotecas existentes. Isso assusta ainda mais os Condra.
"Agora, estamos aterrorizados por não conseguirmos pagar nossa hipoteca e termos de mudar para moradias sociais", disse Brian. Até as pessoas que têm boas rendas estão convencidas de que a Irlanda vai enfrentar anos de dificuldades econômicas. E, com o desemprego em 14,7%, milhares de jovens irlandeses continuam deixando o país.
Há sugestões de renovação. As exportações de empresas multinacionais, como Intel, Pfizer e fabricantes menores, estão aumentando, enquanto os salários se tornam mais competitivos e ajudam a reduzir os custos de produção.
Surgiram sinais de uma recuperação do setor imobiliário, com os compradores procurando os últimos leilões para adquirir propriedades em moratória.
A empresa de exportação de farmacêuticos genéricos EirGen Pharma, de Patsy Carney, tem prosperado. Ele manteve os 40 empregados de sua fábrica em Waterford e pretende contratar mais 60 pessoas.
No entanto, reconhece aquilo que o colapso representou para os irlandeses. "Você vê em todo lugar, todo mundo desempregado, e não há nada aparecendo", ele disse.
O maior temor é que o crescimento e os empregos não voltem tão rapidamente quanto se prometeu. Os eleitores irados demitiram o governo em março, fazendo da Irlanda o primeiro membro do clube do euro a punir seus líderes pela condução da economia. Mas Enda Kenny, o novo primeiro-ministro, tem poucas opções a não ser seguir o plano de austeridade, que o Fundo Monetário Internacional reconhece que está retardando a recuperação. O fundo reduziu sua previsão de crescimento para 2011 de 0,9% para 0,5%.
Dois anos atrás, o salário mensal de Brian Condra como porteiro de um hospital em Dublin era de 1.200 euros. Ele e sua mulher conseguiram começar a economizar para a educação de seus filhos e fizeram seu primeiro empréstimo para comprar uma pequena casa geminada, de tijolos.
Suas fortunas mudaram subitamente, porém, quando os bancos da Irlanda faliram, e o governo decidiu que os contribuintes pagariam a conta, o que representa mais de 10 mil euros por pessoa.
Hoje, Condra ganha 240 euros a menos por mês, e a renda de sua mulher caiu depois que ela reduziu suas horas de trabalho para cortar as despesas com cuidadores das crianças.
A austeridade é dura, mas o maior temor de Condra "é que meus filhos sejam apanhados em uma armadilha de pobreza".
A 45 minutos de percurso de carro, em um confortável subúrbio de classe média de Dublin, Killian e Teresa O'Connell sentem-se gratos por sua posição mais estável. Ele é gerente de projeto de informática em uma corretora de ações de Dublin e foi poupado quando seu empregador demitiu 20% do pessoal.
Apesar dos cortes nos salários e dos aumentos dos impostos desde então, o casal foi prudente e até planeja ampliar sua casa para acomodar quatro meninos em rápido crescimento.
"Se você ainda tem um emprego, está bem -pode sobreviver", disse Teresa O'Connell, que parou de trabalhar para cuidar dos filhos de dois a 11 anos de idade.
Ninguém que os O'Connell conheçam perdeu o emprego ou vai pedir falência. Quase todo mundo que os Condra conhecem, por outro lado, está atrasado com a hipoteca.


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